A Autoeuropa tornou-se notícia nas últimas semanas.O motivo principal foi a convocação de uma greve, algo absolutamente normal em qualquer empresa, mas um feito inédito nesta empresa.
Até à convocação da greve os trabalhadores por larga maioria recusaram um acordo negociado entre a administração e a Comissão de trabalhadores que, entre outras matérias, iria alterar os horários no que respeita aos turnos e aos sábados.A recusa do acordo pelos trabalhadores, a proposta de greve em cima da mesa e a entrada em cena de forma mais evidente dos sindicatos afetos à CGTP lançaram algumas contradições no seio dos trabalhadores com destaque para a Comissão de Trabalhadores que se demitiu.
A partir deste momento o governo e alguns setores políticos, bem como a comunicação social começaram a preocupar-se particularmente dando uma dimensão política excessiva ao conflito.As razões são várias: pelo peso nas exportações da Autoeuropa, cerca de 3%, pelo tipo de diálogo existente na empresa sob a batuta da administração e da Comissão de Trabalhadores e pelo protagonismo assumido pelos sindicatos da CGTP.
A imprensa e os vários comentadores baratos que enxameiam as nossas televisões começaram a dizer todo
o tipo de barbaridades.Faltou-se inclusive ao respeito aos milhares de trabalhadores da Autoeuropa ao afirmarem que estes estavam a ser manipulados por forças políticas, em concreto pelo PCP.Chegou-se a afirmar que os sindicatos da CGTP tomaram de assalto a empresa, ignorando que estas organizações têm filiados na empresa ,formam uma comissão sindical e participam, inclusive, na Comissão de trabalhadores.
Assim, vamos por partes para clarificarmos a situação na medida do possível.
Antes de mais nada há que considerar que a Autoeuropa pretende fazer um novo modelo de automóvel de forma o mais rentável possível.Para isso, e na linha da política económica dominante, em que o trabalho é um fator de produção ajustável, faz uma uma proposta de acordo laboral de intensificação do trabalho e de trabalho obrigatório ao sábado sem compensação significativa.
Seguindo a tradicional cultura alemã a empresa pretende negociar o acordo apenas com a comissão de trabalhadores, marginalizando os sindicatos que, como sabemos, têm em Portugal o poder da negociação coletiva.
No historial da empresa não podemos ignorar óbviamente o conflito entre a comissão de trabalhadores coordenada por António Chora e os sindicatos.Historial que inclui o facto de que este sindicalista, agora do BE, foi em tempos do PCP e nunca foi aceite como dirigente da CGTP como representante de uma corrente sindical.Ao reformar-se Chora abriu,talvez, as portas a um novo capítulo nas relações laborais na empresa.É a concorrência sindical que também existe noutras empresas entre sindicalistas de várias correntes e onde os sindicalistas comunistas dominam.Este é o sindicalismo português concreto e não aquele que alguns desejam forjado nos gabinetes de advogados!
Ao rejeitarem o acordo de empresa e consequente demissão da comissão de trabalhadores o campo ficou aberto para a liderança sindical que ao avançar para uma greve de 24 horas queria obrigar a administração da empresa a virar as agulhas da negociação para o seu lado.Sensuravel em termos sindicais?Não!Talvez apenas o facto da marcação prematura de uma greve!Todavia, volto a lembrar que a empresa, e já o reafirmou,apenas pretende dar o protagonismo à comissão de trabalhadores a ser eleita em outubro.Esta estratégia não é apenas da Autoeuropa.Há muita gente ligada ao mundo dos negócios que prefere as negociações com as comissões de trabalhadores porque é mais fácil chegar a um acordo favorável aos interesses da empresa.Há quem queira inclusive legislar neste sentido (troika), reforçando os poderes das comissões de trabalhadores e esvaziando os sindicatos da sua função fundamental de negociação coletiva.
Em conclusão os trabalhadores da Autoeuropa estão num processo de luta para obterem um melhor acordo para o futuro.Foi visível nas entrevistas televisivas em direto que todos os trabalhadores desejam um acordo com a empresa.São pessoas informadas e competentes e aderiram em massa a esta estratégia.Mas amanha,se a liderança sindical não der confiança, mudam as agulhas.
Com a eleição de uma nova comissão de trabalhadores a administração da empresa quererá negociar novamente com esta entidade em exclusivo, ou talvez não.Esperamos que os representantes dos trabalhadores, quer sindicais, quer da comissão de trabalhadores, coloquem os interesses dos trabalhadores em primeiro lugar.Se assim acontecer os operários e operárias da Autoeuropa vão ter um bom acordo no sentido das compensações económicas e da salvaguarda de alguns direitos fundamentais como são o descanso e a vida familiar!Valores que são quase ignorados em nome da competitividade, das exportações e de um modelo de automóvel!Quando se fala em trabalho digno não é uma mera abstração.Teremos que o ver no dia a dia, na vida concreta das empresas.É ou não é?
Sem comentários:
Enviar um comentário