terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

MAIORIA DAS EMPRESAS NÂO TEM CÓDIGO DE PREVENÇÂO E COMBATE AO ASSÈDIO!

 

Em tempos de pandemia e de alterações importantes nas relações sociais quem mais sofre é sempre quem é mais frágil e mais pobre.Estudos da OIT revelam que de facto para além dos milhões de desempregados que o COVID 19 pode provocar,  também aumentam os ataques aos trabalhadores e seus representantes por todo o mundo.Basta estar atento aos relatórios recentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Confederação Sindical Internacional (CSI).

Esta situação pode durar meses, e até anos, pelo que teremos que estar muito atentos ao que se passa nos locais de trabalho, nomeadamente a situações de perseguição de trabalhadores, colocação na prateleira ou na cave de outros, violência, encerramentos de fábricas sem passar cavaco, humilhações, enfim, atentados á pessoa humana que afectam física e espiritualmente os trabalhadores e suas famílias.Chama-se a isto modernamente assédio moral e que, segundo inquérito realizado em 2015, afecta em particular as mulheres (16,7%) e os homens (15,9%).Neste mesmo inquérito verificou-se que a maioria das vítimas de assédio moral e sexual no trabalho eram pessoas com contratos precários.

A situação de teletrabalho em que estiveram e ainda estão milhares de trabalhadores expõe estes a um outro tipo de assédio moral ainda pouco debatido que é o ciberassédio, ou seja,o trabalhador pode ser ofendido, humilhado e perseguido através do seu computador pelo chefe ou pelo patrão.Acresce que tal situação é muito perigosa, pois o trabalhador em situação de teletrabalho encontra-se ainda mais isolado e vulnerável.O ciberassédio pode aumentar e aprofundar a depressão e ansiedade e vários problemas físicos.

A nossa legislação foi melhorada, mas...

A lei 73/2017 veio reforçar em alguns aspectos a nossa legislação laboral portuguesa no que respeita à prevenção da prática de assédio moral quer no sector público quer no privado.Entre outros aspectos fundamentais, foi estabelecido neste diploma que as entidades empregadoras com sete ou mais trabalhadores/as devem elaborar um código de boa conduta, tendo como objectivo prevenir e combater qualquer comportamento ofensivo e humilhante.

No fundo este Código é um instrumento que pode ajudar a gestão a estabelecer por escrito um conjunto de compromissos a que toda a gente está sujeita na empresa ,desde a administração, passando pelas chefias até aos trabalhadores com qualquer vínculo ,bem como os próprios clientes . O Código deve definir também um instrumento/departamento/grupo de trabalho onde se pode apresentar a queixa.

« O presente código tem como finalidade a prevenção e combate da prática de assédio moral e sexual no trabalho, contribuindo para que o local de trabalho seja reconhecido como um exemplo de integridade, responsabilidade e rigor, visando garantir a salvaguarda da integridade moral dos/as seus/as trabalhadores/ as ou colaboradores/as e assegurar o seu direito a condições de trabalho que respeitem a sua dignidade individual».-diz o guia para  elaboração de um código de conduta para a prevenção e combate á prática de assédio moral da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE).

Mas, sendo uma iniciativa do empregador nada impede que os trabalhadores e suas organizações pressionem a gestão para que se aprove um tal código, exigindo ser ouvidos na elaboração do mesmo.Quantas empresas têm hoje, passados cinco anos, este código?A introdução deste documento está presente na negociação colectiva?É uma exigência dos sindicatos ou verdadeiramente não se acredita na eficácia de tal instrumento?Não podemos esquecer, porém, que nesta matéria todos os contributos são necessátios.

Portugal deve ratificar convenção nº 190 da OIT

Fará agora em junho três anos que a OIT aprovou a Convenção 190 sobre a violência e o assédio no trabalho dando força a este combate pela dignidade de quem trabalha.Há que pressionar o Estado português para ratificar esta Convenção.Haverá certamente ainda que melhorar a nossa legislação.Haverá ainda que abranger mais quadros sindicais com formação nesta matéria, nomeadamente ao nível da negociação colectiva e de representantes dos trabalhadores para a segurança e saúde no trabalho.

Hoje mais do que nunca existe legislação e mecanismos para nos defendermos de práticas de assédio moral e sexual.O nosso sindicato é o nosso principal aliado.Mas podemos também quixar-nos à  CITE e à Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) que tem inclusive um modelo próprio para apresentar a queixa por assédio.

Alguns inquéritos recentes, porém ,revelam que alguns patrões despediram quem se queixou de assédio.Aliás os relatórios da ACT revelam que ainda são poucos os trabalhadores a apresentarem queixa.A maioria prefere despedir-se quando sente que não pode aguentar a situação.Há que lutar contra esta situação.Não será necessário criminalizar a prática de assédio?

Exemplo de Código da Companhia das Lezírias


 

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

O SÍNODO DA IGREJA CATÓLICA E OS MOVIMENTOS DE TRABALHADORES

 

No actual processo sinodal que atravessa a Igreja católica é fundamental reflectir sobre a situação e o papel dos Movimentos Populares, e muito particularmente dos movimentos operários católicos.Se me perguntarem se os problemas do celibato obrigatório, da participação dos leigos ,do papel das mulheres na Igreja Católica não são assuntos importantes ,direi que são importantes, claro.No entanto, todas estas questões não se podem tornar tão centrais que ofusquem outras não menos importantes como é a questão do trabalho e da emancipação dos trabalhadores.

Em Portugal apenas um reduzido número de cristãos se preocupa e reflecte sobre a «evangelização do mundo do trabalho» que, hoje, não pode ser realizada com a mesma perspectiva do século passado.A própria Hierarquia Católica nunca investiu muito na Pastoral do trabalho, nomeadamente no número de asssistentes dos Movimentos e na sua qualificação, bem como nunca investiu o suficiente no número de dirigentes livres e respetiva formação.

Nos seminários os futuros padres tinham, e ainda têm,
pouca ou nehuma formação específica para intervir no mundo das relações laborais.Na década de 70 do século passado apenas uma escola de teologia, o ISET de Lisboa, extinto em 1975,deu alguma substância á Pastoral do Trabalho.A Universidade Católica Portuguesa dedica-se à teologia, à gestão, ao direito, etc. mas muito pouco  ao mundo do trabalho.

A Igreja Católica Portuguesa tanto ao nível paroquial como ao nível das pastorais específicas e movimentos nunca investiu o suficiente nos Movimentos Operários.Ainda hoje a pastoral do trabalho continua a ser a parente pobre da Igreja Portuguesa.A rede caritativa da Igreja absorve centenas de padres e milhares de cristãos em múltiplos esforços, alguns bem meritórios.A rede paroquial absorve o trabalho de milhares de padres e até de religiosos.Quantos padres e leigos trabalham a tempo inteiro para a pastoral do trabalho?Quantos especialistas em direito laboral e sociologia, quantas fundações ou centros de investigação para a Pastoral do Trabalho?Podemos contar tudo isto com os dedos das nossas mãos?

Em Portugal a Igreja Católica quase desertou do mundo do trabalho.Existem razões históricas para esse facto, nomeadamente a aliança com a ditadura do Estado Novo.Ora, sabemos que o trabalho ainda é o centro da vida de milhões de portugueses que dele vivem com as suas famílias.Sabemos que é pelo trabalho que, em grande parte, nos podemos realizar e contribuir para a obra da criação.É no centro mesmo do conflito laboral que se pode exprimir o amor cristão.É na luta contra a exploração e pela diginidade dos trabalhadores que se exprime o amor ao próximo.É na luta pela distribuição equitativa da riqueza  que e exprime  a solidariedade e a justiça.É na luta por leis justas e democráticas que se pode exprimir a dignidade e liberdade do ser humano.Então qual a razão ou razões para não se investir na Pastoral do Trabalho?Qual é o medo?

Deixo a resposta ao leitor que, por acaso, me leia.Leigos e clero, com algumas excepções conhecidas, nunca viveram uma relação dependente de trabalho,trabalham de forma liberal,sem horários de fábricas ou escritórios e chefias.Na época dos padres operários a experiência foi vista como subversiva e não adequada para o clero.As suas vivências com os pobres e excluidos são frequentemente numa posição paternalista, de ajuda, não de companheiro de um processo libertador e emancipador.

Uma Pastoral do trabalho consistente com meios humanos, técnicos e financeiros é fundamental para que se possa fazer  uma boa reflexão da realidade laboral à luz da fé cristã.Hoje, mais do que nunca, o método «ver, julgar e agir» exige em todas as etapas fundamentação nas ciências sociais, para além da insubstituível experiência e saberes dos trabalhadores e dos sindicalistas.

O Sínodo não pode passar ao lado desta realidade, ignorando os dramas e problemas do mundo do trabalho e dos trabalhadores.

Nota: a primeira versão deste texto foi publicada no Voz do Trabalho da LOC/MTC