Nos últimos meses foi debatida na concertação social e em alguns espaços da
sociedade portuguesa aquilo que o governo apelidou de «Agenda do Trabalho Digno
e da valorização dos jovens no mercado de trabalho».Nesta agenda foram
apresentadas medidas para combater a precariedade, o trabalho clandestino e nas
plataformas digitais, aspectos da contratação colectiva, conciliação entre a
vida familiar e profissional e proteção dos jovens trabalhadores:estudantes e
estagiários. Temas que em forma de projecto lei foram inclusive para debate
público, embora neste momento não saibamos qual será o futuro destes projectos
legislativos.Tudo matérias elencadas que seria necessário aprofundar e
materializar em lei laboral.Um processo longo que exigirá debate, luta e pressão
para que estes temas sejam vertidos na lei de modo favorável aos
trabalhadores.Mas vamos ver alguns aspectos desta agenda de forma crítica.
Antes
de mais nada uma observação ao título da agenda.Falar em valorização dos jovens
no mercado de trabalho já nos mostra qual a filosofia dos legisladores e
assessores políticos do governo.Os jovens são elementos de um mercado que podem
ser valorizados ou desvalorizados segundo a dinâmica do mercado de oferta e
procura.Uma filosofia e um discurso a evitar por quem tem uma concepção da vida
e da economia em que no centro estão as pessoas e a sua felicidade.
Trabalho
temporário?
A Agenda poderia ir mais longe na questão do trabalho temporário que
se tornou nas últimas décadas um chorudo negócio em que alguns políticos
empresários estão envolvidos.A questão central seria:estas empresas numa
sociedade de trabalho digno não são necessárias para nada.Ganhar dinheiro
transacionando trabalhadores em precariedade no tal mercado de trabalho não
favorece os mesmos trabalhadores.
Mas ao longo das últimas décadas interesses
poderosos foram abrindo o caminho a esta exploração laboral com a cantiga de que
o trabalhador também ganha tendo mais facilidade em se empregar.Um ludíbrio
completo.O direito ao trabalho é um direito constitucional e não uma mera
oportunidade de negócio no mercado. Porém , e dadas as circunstâncias,qualquer
medida legislativa que balize melhor esta actividade no sentido de proteger os
trabalhadores será bem vinda.Mas não basta se não for possível que a ACT tenha
uma intervenção mais forte neste domínio nomeadamente quanto ás empresas
clandestinas de trabalho temporário.
Sabemos que uma parte significativa dos
jovens trabalhadores estão a trabalhar através de empresas multinacionais de
trabalho temporário, num triangulo diabólico em que não sabemos quem é o
verdadeiro patrão como é o caso de alguns dos mais importantes call centers.
Os
trabalhadores de plataformas digitais
.A presunção da existência de contrato de
trabalho com operadores de plataformas quando se verifiquem indícios de relação
entre plataformas e prestador de actividade e entre estes e os clientes é uma
medida da Agenda importante para enquadrar muitos jovens travalhadores que
ganham algum dinheiro em tarefas nomeadamente de distribuição
alimentar(uber,glovo, etc).É uma reivindicação do movimento sindical mundial e
europeu, é uma questão de dignidade mínima.Eles trabalham e têm patrões.Há
direitos e deveres a instituir legalmente.
Em Espanha e noutros países europeus
já existe legislação neste sentido por acordo entre o governo e alguns
sindicatos.Porém, a nova legislação não deve aceitar intermediários nesta
relação de trabalho como aconteceu com a lei TVDE (uber).Havendo presunção de
relação subordinada de trabalho o operador deve ser considerado um trabalhador
dependente de um patrão que é a plataforma.Este é o grande debate nomeadamente
no espaço da UE.
Criminalizar o trabalho clandestino
Criminalizar o trabalho não
declarado ou clandestino é uma medida de grande alcance e uma reivindicação
sindical desde sempre.Quem contrata trabalhadores sem declarar nada à segurança
social , sem seguro de acidentes , sem recibos, etc, deve ser responsabilizado
de forma dura porque está a lesar o trabalhador e a sua família bem como a
sociedade no seu todo.Muitos trabalhadores jovens são contratados de forma mais
ou menos clandestina ou não declarada, nomeadamente na agricultura, construção e
restauração.
Há decádas que a inspeção do trabalho, actualmente a ACT,tem como
objectivo principal da sua ação o combate ao trabalho não declarado.Um trabalho
difícil porque, por vezes, o trabalho clandestino tem o consentimento dos
próprios trabalhadores que, para sobreviverem, aceitam as piores condições de
trabalho. Todavia, tudo dependerá em como será realizado posteriormente o
processo legal e ainda se os tribunais estão agilizados para efeito.Mas a medida
é boa e necessária.
Contratação colectiva um direito fundamental dos
trabalhadores
As propostas para a contratação colectiva da Agenda são mais do
mesmo .Renovar até 2024 a suspensão dos prazos de sobrevigência das convenções
colectivas parece-me mais uma medida de «meias tintas».Ou bem querem reforçar a
contratação colectiva no País ou não querem.Se o reforço da contratação é uma
boa medida para a economia e para o desenvolvimento das relações de trabalho
então deixem funcionar os mecanismos constitucionais de contratação em que esta
é uma prerogativa sindical, prevalecendo a defesa da parte mais fraca na relação
de trabalho que é o trabalhador.Os contratos devem funcionar de maneira a que o
trabalhador tenha os seus direitos e garantias salvaguardados e não que, por
vontade da parte patronal, fique na lei geral ou ainda pior.A caducidade dos
contratos no actual contexto é uma arma poderosa das entidades patronais.A
contratação colectiva é um direito fundamental dos trabalhadores.
E poderiamos
continuar a ver medida por medida, umas com um maior alcance do que outras no
que respeita à protecção do trabalhador.A lógica neo liberal dos governos da UE
e da própria Comissão e seus assessores económicos é a que prevalece nas
instituições como o FMI, Banco Mundial, OCDE etc.A legislação laboral e nesta os
direitos dos trabalhadores, não deve comprometer a competitividade, os lucros.Os
salários e valor das horas extra devem ser baixos por causa da tal
competitividade.Daí o discurso por,vezes esquizofrénico na UE com uma retórica
de defesa dos direitos dos trabalhadores e dos serviços públicos e uma ação
política e legislativa nada consentânea com essa mesma retórica. Rejeitar a
Agenda em bloco não será o melhor caminho.O melhor caminho é ganhar força nos
locais de trabalho, mobilizar os trabalhadores e negociar no sentido de que a
lei possa ser o mais favorável aos trabalhadores.A efectivação das leis dependem
sempre de dois factores essenciais:a vontade política e a capacidade do Estado
em fazer cumprir as leis através da ACT e dos tribunais e a força das
organizações dos trabalhadores nos locais de trabalho e na sociedade em geral.