quarta-feira, 17 de novembro de 2021

AGENDA DO TRABALHO DIGNO: o trabalho sempre submetido á competitividade.

Nos últimos meses foi debatida na concertação social e em alguns espaços da sociedade portuguesa aquilo que o governo apelidou de «Agenda do Trabalho Digno
e da valorização dos jovens no mercado de trabalho».Nesta agenda foram apresentadas medidas para combater a precariedade, o trabalho clandestino e nas plataformas digitais, aspectos da contratação colectiva, conciliação entre a vida familiar e profissional e proteção dos jovens trabalhadores:estudantes e estagiários. Temas que em forma de projecto lei foram inclusive para debate público, embora neste momento não saibamos qual será o futuro destes projectos legislativos.Tudo matérias elencadas que seria necessário aprofundar e materializar em lei laboral.Um processo longo que exigirá debate, luta e pressão para que estes temas sejam vertidos na lei de modo favorável aos trabalhadores.Mas vamos ver alguns aspectos desta agenda de forma crítica.
Antes de mais nada uma observação ao título da agenda.Falar em valorização dos jovens no mercado de trabalho já nos mostra qual a filosofia dos legisladores e assessores políticos do governo.Os jovens são elementos de um mercado que podem ser valorizados ou desvalorizados segundo a dinâmica do mercado de oferta e procura.Uma filosofia e um discurso a evitar por quem tem uma concepção da vida e da economia em que no centro estão as pessoas e a sua felicidade. 

Trabalho temporário? 

A Agenda poderia ir mais longe na questão do trabalho temporário que se tornou nas últimas décadas um chorudo negócio em que alguns políticos empresários estão envolvidos.A questão central seria:estas empresas numa sociedade de trabalho digno não são necessárias para nada.Ganhar dinheiro transacionando trabalhadores em precariedade no tal mercado de trabalho não favorece os mesmos trabalhadores.
Mas ao longo das últimas décadas interesses poderosos foram abrindo o caminho a esta exploração laboral com a cantiga de que o trabalhador também ganha tendo mais facilidade em se empregar.Um ludíbrio completo.O direito ao trabalho é um direito constitucional e não uma mera oportunidade de negócio no mercado. Porém , e dadas as circunstâncias,qualquer medida legislativa que balize melhor esta actividade no sentido de proteger os trabalhadores será bem vinda.Mas não basta se não for possível que a ACT tenha uma intervenção mais forte neste domínio nomeadamente quanto ás empresas clandestinas de trabalho temporário.
Sabemos que uma parte significativa dos jovens trabalhadores estão a trabalhar através de empresas multinacionais de trabalho temporário, num triangulo diabólico em que não sabemos quem é o verdadeiro patrão como é o caso de alguns dos mais importantes call centers. 

Os trabalhadores de plataformas digitais 

.A presunção da existência de contrato de trabalho com operadores de plataformas quando se verifiquem indícios de relação entre plataformas e prestador de actividade e entre estes e os clientes é uma medida da Agenda importante para enquadrar muitos jovens travalhadores que ganham algum dinheiro em tarefas nomeadamente de distribuição alimentar(uber,glovo, etc).É uma reivindicação do movimento sindical mundial e europeu, é uma questão de dignidade mínima.Eles trabalham e têm patrões.Há direitos e deveres a instituir legalmente. 
Em Espanha e noutros países europeus já existe legislação neste sentido por acordo entre o governo e alguns sindicatos.Porém, a nova legislação não deve aceitar intermediários nesta relação de trabalho como aconteceu com a lei TVDE (uber).Havendo presunção de relação subordinada de trabalho o operador deve ser considerado um trabalhador dependente de um patrão que é a plataforma.Este é o grande debate nomeadamente no espaço da UE.

 Criminalizar o trabalho clandestino 

Criminalizar o trabalho não declarado ou clandestino é uma medida de grande alcance e uma reivindicação sindical desde sempre.Quem contrata trabalhadores sem declarar nada à segurança social , sem seguro de acidentes , sem recibos, etc, deve ser responsabilizado de forma dura porque está a lesar o trabalhador e a sua família bem como a sociedade no seu todo.Muitos trabalhadores jovens são contratados de forma mais ou menos clandestina ou não declarada, nomeadamente na agricultura, construção e restauração.
 Há decádas que a inspeção do trabalho, actualmente a ACT,tem como objectivo principal da sua ação o combate ao trabalho não declarado.Um trabalho difícil porque, por vezes, o trabalho clandestino tem o consentimento dos próprios trabalhadores que, para sobreviverem, aceitam as piores condições de trabalho. Todavia, tudo dependerá em como será realizado posteriormente o processo legal e ainda se os tribunais estão agilizados para efeito.Mas a medida é boa e necessária. 

Contratação colectiva um direito fundamental dos trabalhadores 

As propostas para a contratação colectiva da Agenda são mais do mesmo .Renovar até 2024 a suspensão dos prazos de sobrevigência das convenções colectivas parece-me mais uma medida de «meias tintas».Ou bem querem reforçar a contratação colectiva no País ou não querem.Se o reforço da contratação é uma boa medida para a economia e para o desenvolvimento das relações de trabalho então deixem funcionar os mecanismos constitucionais de contratação em que esta é uma prerogativa sindical, prevalecendo a defesa da parte mais fraca na relação de trabalho que é o trabalhador.Os contratos devem funcionar de maneira a que o trabalhador tenha os seus direitos e garantias salvaguardados e não que, por vontade da parte patronal, fique na lei geral ou ainda pior.A caducidade dos contratos no actual contexto é uma arma poderosa das entidades patronais.A contratação colectiva é um direito fundamental dos trabalhadores. 

E poderiamos continuar a ver medida por medida, umas com um maior alcance do que outras no que respeita à protecção do trabalhador.A lógica neo liberal dos governos da UE e da própria Comissão e seus assessores económicos é a que prevalece nas instituições como o FMI, Banco Mundial, OCDE etc.A legislação laboral e nesta os direitos dos trabalhadores, não deve comprometer a competitividade, os lucros.Os salários e valor das horas extra devem ser baixos por causa da tal competitividade.Daí o discurso por,vezes esquizofrénico na UE com uma retórica de defesa dos direitos dos trabalhadores e dos serviços públicos e uma ação política e legislativa nada consentânea com essa mesma retórica. Rejeitar a Agenda em bloco não será o melhor caminho.O melhor caminho é ganhar força nos locais de trabalho, mobilizar os trabalhadores e negociar no sentido de que a lei possa ser o mais favorável aos trabalhadores.A efectivação das leis dependem sempre de dois factores essenciais:a vontade política e a capacidade do Estado em fazer cumprir as leis através da ACT e dos tribunais e a força das organizações dos trabalhadores nos locais de trabalho e na sociedade em geral.

terça-feira, 9 de novembro de 2021

CHUMBO DO ORÇAMENTO: divórcio nas esquerdas?

 

Não é fácil analisar um orçamento de Estado.Exige alguma especialidade para verificar se o que aparece é ou se apenas estamos perante intenções, ou se o que é dado por uma mão é tirado por outra etc.etc.Todavia, existe sempre uma Assembleia da República e um tribunal de contas para acompanhar a execução do Orçamento.Admito assim que a proposta de orçamento para 2022 do governo não seja assim tão de esquerda como dizia o Partido socialista e admito também que o que qeriam o PCP e o BE iria para além do que é possível e admissível pela vigilância de Bruxelas.

O certo é que o Orçamento foi chumbado por toda a direita e pelas esquerdas com a abstenção do PAN.Assim iremos para eleições já em janeiro de 2022.

Agora a direita esfrega as mãos de contente e as esquerdas empurram a culpa umas para as outras.Tal como no divórcio dos casais para mim a culpa é repartida por todos.Não há ninguém inocente da situação.

No entanto, parece que ninguém queria eleições já.A direita precisava de tempo para se reorganizar e clarificar lideranças e a esquerda teme que possa ser casttigada pelos eleitores.Será possível?

Existem claramente duas abordagens para esta questão.A primeira é a dos dirigentes e militantes partidários e a outra a dos eleitores.Assim, para os dirigentes do PS, o que menos teme eleições,tudo irá depender da campanha e de quem vi ser o líder do PSD.Para os dirigentes do BE e do PCP tudo depende da nova relação de forças que vai emergir do novo acto eleitoral.As bases militantes destes partidos estavam zangadas com o governo do PS e as direções não podem remar contra a maré.

No entanto, tenho observado que a perspectiva de muitos  eleitores de esquerda não filiados é diferente e alguns estão muito zangados com o chumbo do Orçamento.Queriam pelo menos que, com abstenções, o documento fosse para a especialidade.Temem perder aumentos das pensões, abatimentos no IRS, e que se abram as portas à direita e extrema direita.Para quem tem pequenos salários e reformas, a maioria dos portugueses,não é de menor importância!

Nunca como hoje a fractura entre as posições partidárias e os eleitores foi tão grande na minha perspectiva.Temo que ao reforço do PS venha um enfraquecimento da esquerda dada a possibilidade de um partido de extrema direita ter significativa votação.Então o PS poderá vir a fazer com o PSD aquilo que não fez com com o BE e o PCP e estes com o PS.

Para muitos eleitores não há volta a dar.As esquerdas terão que se entender e comprometer numa agenda comum progressista sustentável no contexto da UE e mundial.Ou vão ficar a falar para o deserto durante algum tempo.Nesta agenda terá necessáriamente que estar incluido o trabalho digno,os direitos e interesses dos trabalhadores portugueses.