sábado, 20 de abril de 2019

SINDICALISMO E MATÉRIAS PERIGOSAS



A recente minicrise que envolveu o conflito entre o pequeno sindicato dos motoristas das matérias perigosas e os seus patrões revelou alguns aspectos que  merecem reflexão e debate político sindical.
Em primeiro lugar esta crise acabou por ser bem gerida pelo governo que evitou uma situação políticamente embaraçosa na quadra da Páscoa, com um aumento da mobilidade das famílias e reforço do turismo e, portanto, do aumento do consumo de combustível Algumas forças «anti-geringonça» esfregavam as mãos de contentamento perante uma situação desgastante semelhante aos incêndios do ano passado!
Em segundo lugar esta crise mostrou quanto o País está dependente da rodovia, nomeadamente esquecendo a alternativa ferroviária que nestas circunstancias poderia resolver alguns problemas.
Em terceiro lugar este esboço de caos mostrou quão impreparados estão os portugueses para enfrentarem situações deste género.Filas longas de carros nos postos de abastecimento, com pessoas a atropelarem-se,gente temendo que não pudesse ter comida nos supermercados, enfim, gente quase a entrar em pânico com uma pequena ameaça.Decididamente não estamos preparados como povo para uma prova mais dura, uma catástrofe da natureza ou uma crise social e política.
Em quarto lugar toda a gente ficou a  conhecer uns 800 trabalhadores que há muitos anos trabalham todos os dias a transportar matérias perigosas , que em alguns casos são autênticas bombas.Eram ignorados mas eles descobriram que têm muito poder.O poder de paralisar um país caso seja necessário.Existem outros casos e situações semelhantes de grupos de trabalhadores que são subalternizados até pelas suas próprias macro organizações sindicais.Pelo que fazem e pelos perigos que correm não têm direito a uma categoria própria?Não têm direito a uma remuneração justa?
Em quinto lugar esta situação mostrou que não basta andar com bandeirinhas e manifestação para aqui e para acolá num sindicalismo demasiado conformista e bem comportado políticamente. Há efectivamente sectores, grupos de trabalhadores descontentes com a situação.A economia cresceu, as exportações aumentaram, deceu o IVA para alguns sectores, aumentou enfim a riqueza,mas os salários são lentamente repostos e apenas com ajustamentos ou aumentos pouco significativos.Veja-se o sector do turismo e restauração, calçado vestuário, transportes e energia, entre outros.São muitos os trabalhadores com o salário mínimo e este tornou-se numa referência para contratar inclusive os jovens licenciados.
Finalmente esta situação mostrou que tal como no caso dos estivadores e dos enfermeiros há sectores de trabalhadores descontentes e que se deram conta que têm nas suas mãos um grande poder se estiverem coesos e conscientes da sua força.São sindicatos com alguma distanciação relativamente ás centrais sindicais e às suas estratégias.
É natural que outros grupos de trabalhadores decidam destacar-se das grandes organizações e lutar por sua conta.Um risco  terão que evitar:ver apenas os interesses imediatos da sua classe adoptando um corporativismo cego sem terem em conta a situação política concreta e os interesses mais gerais dos trabalhadores dando  «tiros nos pés»e, ou seja,dando azo a futuras limitações ao direito de greve ou ao alargamento inaceitável dos serviços mínimos.
Uma perspectiva se desenha: tanto a CGTP como a UGT terão que repensar em alguns sectores as suas estratégias de organização sindical.Fazer macro organizações onde se metem todos os grupos possíveis de trabalhadores tem algumas vantagens, nomeadamente de controlo, negociação e de gestão dos recursos.Todavia, os diferentes grupos que integram uma federação, por exemplo, terão que ser considerados nos seus interesses específicos.Hoje mais do que  nunca!

quinta-feira, 11 de abril de 2019

CAPITALISMO E SAÚDE DOS TRABALHADORES


Hoje está suficientemente estudada a relação entre a profissão , o estilo de vida e a mortalidade das pessoas.Por norma um mineiro ou um operário da construção tem menos anos de vida do que um quadro ou empregado de escritório.Claro que hoje a vida de um quadro ou empregado de escritório também está sujeira a riscos em particular de ordem psicossocial com relevo para o stresse.
Mas são os operários qualificados e não qualificados que mais morrem de acidente laboral.São os trabalhadores da construção e da indústria transformadora que mais sofrem no trabalho e que mais morrem devido às condições de trabalho.
Já as mulheres são as que mais sofrem de doença profissional com destaque para as lesões músculo-esqueléticas a grande «peste» da Europa pois afecta milhões de trabalhadores,tornando-lhe a vida um inferno.
Ora as políticas preventivas tradicionais acentuaram sempre o foco no trabalhador, na sua formação, na sua proteção e no acidente de trabalho ao mesmo tempo que excluiam as mulheres  e pouca importância davam e dão às doenças profissionais.O relevo vai para a proteção individual, enfim para o factor humano, e menos para a organização do trabalho e para a proteção colectiva.Estas políticas foram paulatinamente mudando a partir das últimas décadas do sécilo XX e ,de algum modo as directivas comunitárias, em particular a Directiva Quadro, e as convençºoes da OIT já revelaram essa mudança.Todavia, as empresas de formação de técnicos de segurança, de consultadoria,da prevenção nas grandes multinacionais ainda focam muito a ação preventiva no trabalhador,na sua formação e no estabelecimento de regras para serem cumpridas pelos trabalhadores.Mesmo entre sindicalistas e representantes de trabalhadores existe esta tendência de colocar no trabalhador o foco da prevenção.Existe toda uma retórica da qualidade, do cumprimento de regras, de cursos técnicos  dados por empresas cujo negócio é fornecer formação bem paga às empresas.

Pouca reflexão sobre os riscos da organização do trabalho e gestão empresarial  patológica

Por outro lado vemos pouca reflexão sobre os riscos da organização do trabalho e da gestão empresarial na súde dos trabalhadores.Uma gestão em muitos aspectos patológica, geradora de pressão, assédio, enfim, de sofrimento.Evita-se falar nas consequências da precariedade e dos ritmos de trabalho na saúde dos trabalhadores e como causas de acidentes.Os riscos do trabalho por turnos, da laboração contínua, do trabalho temporário ,da falta de descanso,do acumular da fadiga.
Em resumo o discurso sobre a segurança e saúde no trabalho dominante não coloca em causa a gestão capitalista e a competitividade.Nesta o homem é que tem que se adaptar a tudo, nomeadamente aos ritmos de trabalho impostos pelos clientes ou pelos acionistas, aos horários de trabalho exigidos pela laboração contínua e pelos tetos de produção.O descanso e a família ficam secundarizados e perderam importância no mundo da economia competitiva.A competitividade é sagrada, a vida e saúde do trabalhador está em segundo lugar! Assim se explica que cada vez tenhamos mais gente doente a trabalhar