sexta-feira, 26 de março de 2021

HÁ NÚVENS NO HORIZONTE.CRISE SOCIAL PODE ACENTUAR-SE?

 Nas últimas semanas têm ocorrido sinais preocupantes que podem indiciar um acentuar da crise

social que estamos a viver decorrente de vários factores com destaque para a pandemia COVID19.

Tivemos sinais preocupantes no comportamento do acionista privado da Groundforce que chantageou o próprio governo e a TAP, brincou com a vida dos trabalhadores de forma fria na medida em que se marimbou para os salários em atraso; sinais preocupantes num acordo da TAP com os seus trabalhadores que foi mais um ultimato do que um acordo para aceitarem o mal menor;numa EDP que tem centenas de milhões de euros de lucros e propõe aumentos zero aos trabalhadores e não quer pagar 100 milhões de imposto; uns CTT que precariza, distribui lucros e não quer aumentar igualmente os seus trabalhadores; uma Altice que através de acordos diversos se livra de 1800 trabalhadores.

Desemprego aumenta afectando em particular os jovens e mulheres

Outro sinal preocupante é ,sem dúvida, o aumento do desemprego para quase meio milhão, tendo como pano de fundo a pandemia com mais 100 mil pessoas desempregadas do que há um ano.Desemprego que afecta de modo particular os jovens e as mulheres, bem como certos sectores de actividade como o turismo, hotelaria e restauração.

Entretanto aumentam também os portugueses que recorrem á rede assistencialista de emergência como a Cáritas e instituições similares bem como ao rendimento de inserção social.

É óbvio que o governo tem procurado travar uma onda de despedimentos generalizada através de apoios á actividade e com o mecanismo de layoff.No entanto, enquanto as grandes empresas recorrem com facilidade a estes mecanismos existem muitos pequenos empresários que não os utilizam.Ou não sabem ou não querem utilizar estes mecanismos estatais e preferem despedir ou negociar outras alternativas com os seus trabalhadores.Alternativas que quase sempre são desfavoráveis aos trabalhadores como uso de férias e suspensão do contrato definitivo ou temporário.

É também evidente que os sindicatos, em particular os da CGTP procuram aparecer á luz do dia através de manifestações e concentrações, procurando que a negociação colectiva funcione, exercendo pressão, fazendo propostas de aumentos salariais e até greves como na Sacopor, DS Smith,  e Vidrala entre outras. A UGT quase se eclipsou e apenas aparece em algumas instituições de concertação social.A pandemia acaba por ter as costas largas para a inação, para a falta de protesto mesmo que simbólico.

No entanto, as entidades empregadoras, particularmente algumas das maiores empresas manifestam claramente uma posição oportunista, chantagista e de erosão dos direitos sociais e laborais.Enquanto que, por um lado, beneficiam dos apoios do estado, mesmo as que tiveram excelentes resultados no passado,por outro,procuram despedir e manter estagnada a negociação colectiva.Basta ver os dados da Direção Geral de Relações de Trabalho de 2020 e primeiros meses de 2021, para vericarmos que ocorre uma diminuição importante de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho .Em nome da pandemia recusam aumentos salariais e ,muitas empresas, nada fazem para suportar encargos com o teletrabalho.

Em várias empresas a segurança e saúde no trabalho não foi reforçada e algumas esconderam os casos de infecção que ocorreram nos locais de trabalho.Paira um silencio ensurdecedor sobre o que se passa no mundo do trabalho onde estoicamente milhares de trabalhadores pobres e imigrantes dão o seu contributo para a alimentação, saúde, produtos para exportar, serviços públicos, água, electricidade, gás entre outros.

Sindicatos continuam a ser o instrumento de ação colectiva e de solidariedade

A crise pandémica, tal como a de 2008, mostra a face da maioria dos empresários e acionistas portugueses.No momento das vacas gordas não se partilha a riqueza mas no tempo das vacas magras são os trabalhadores e suas famílias que pagam os custos.Naturalmente que existem empresários, por vezes os mais pequenos, que mantiveram os postos de trabalho e que cuidaram dos seus trabalhadores.

Os trabalhadores e suas organizações terão que se preparar para tempos complexos e perigosos.A pandemia ainda vai durar e os seus efeitos económicos e sociais ainda vão durar mais.Um longo caminho de resistência e de luta se perfila no presente e no futuro.Há que reforçar a organização, a formação e informação e as alianças sociais e sindicais nacionais e internacionais.

Os sindicatos e outras organizações de trabalhadores continuam a ser o instrumento fundamental de ação colectiva e de solidariedade dos trabalhadores;são a alternativa ao desespero, à revolta sem horizontes, ao salve-se quem puder.Não podemos abandonar o nosso sindicato.É hora de o reforçar trabalhando em casa ou no local de trabalho!

 

 

terça-feira, 23 de março de 2021

PANDEMIA AUMENTA OS RISCOS PSICOSSOCIAIS NO TRABALHO?

 

A COVID 19 teve um impacto profundo na vida de todos, nomeadamente nos serviços públicos e nas


empresas, em particular na produção e na organização do trabalho.Claramente o ambiente mudou em muitas empresas, por vezes com alguma degradação das relações de trabalho e da saúde dos trabalhadores.Teletrabalho, layoff, rotação de horários,equipas que não reunem, projectos a meio gás ou cancelados, precariedade, despedimentos e, por vezes, salários que não se pagam.Os efeitos negativos da pandemia na saúde dos trabalhadores ainda não são conhecidos na sua plenitude.

É importante que os investigadores sociais e os representantes dos trabalhadores possam acompanhar a situação de modo a poderem mobilizar os companheiros, apresentar propostas no domínio da organização do trabalho e da promoção da segurança e saúde dos trabalhadores.Neste quadro de pandemia é especialmente importante prevenir os riscos psicossociais no trabalho, conceito raramente utilizado nos tempos que correm.

Efectivamente fala-se muito de saúde mental, um conceito mais amplo e menos comprometido em termos laborais.Corremos o risco de, ao falarmos apenas em saúde mental ,subvalorizar um dos aspectos essenciais dessa mesma saúde, a prevenção dos riscos psicossociais no trabalho.O impacto da pandemia no trabalho e nos trabalhadores é pouco falado nos meios de comunicação social.Sabemos algo do que se passa com o pessoal de saúde e ponto final.Pouco se fala dos trabalhadores da educação infectados e dos problemas que estes vivem.E dos trabalhadores da agricultura, limpeza,a maioria imigrantes?Ainda menos!

A avaliação do risco psicossocial nos locais de trabalho deve desenvolver-se neste novo quadro de pandemia que confere á situação elementos novos e coloca novas prioridades.Neste sentido é importante avaliar alguns factores de risco nomeadamente:

1.Avaliação da carga de trabalho:

É inegável que a pandemia afectou por longos meses a produção e/ou comercialização de muitas empresas.A situação é ainda muito incerta e alguns sectores não sabem quando poderão voltar a uma produção normalizada.Mas no caso de se regressar a uma situação de produção normal a tentação de sobrecarregar os trabalhadores será muito grande.Os gestores quererão recuperar tudo o que perderam.Também são possíveis situações de  pouco trabalho como pode acontecer no tempo de pouca produção ou serviços.A subcarga de trabalho também desenvolve sentimentoss de isolamento, insegurança e de inutilidade.Há que estar atento a estas situação para implementar medidas organizativas de partilhar o trabalho e não sobrecarregar mais uns trabalhadores do que outros,  recrutar novos trabalhadores e promover vínculos de trabalho estáveis.

Os sindicalistas e os representantes dos trabalhadores para a segurança e saúde e comissões de trabalhadores têm  aqui também um papel de vigilância e de apresentação de propostas.

2.Tensões e conflitos entre  trabalhadores

Os gestores e os serviços de segurança e saúde deverão estar também atentos aos eventuais conflitos e tensões entre os trabalhadores no quadro da pandemia.Trabalhadores que estão em teletrabalho ou layoff sofrendo de prolongado isolamento, outros que por questões de saúde não podem deslocar-se à empresa ou trabalhadores que estão em contacto directo com os clientes e o público.Estas diferentes situações podem ser entendidas pelos trabalhadores como injustas, em particular os que devem enfrentar maior risco.

É fundamental falar e explicar o sentido das medidas sanitárias e organizacionais para combater a infecção, não deixar os trabalhadores abandonados, à deriva, em particular os mais jovens e recentes na empresa.Esta deve passar uma imagem de actividade e cuidado pela saúde de todos, apesar dos constrangimentos sanitários.

3.Encontrar novas formas de animar os colectivos de trabalho

Os constrangimentos e dificuldades impostas pela pandemia obrigam a um grande esforço da gestão e dos serviços para encontrarem novas formas de manter os colectivos de trabalho e as equipas unidas e coesas.Torna-se importante encontrar meios de partilha de informação e de comunicação entre cada um e entre todos;módulos de formação adequada; teletrabalho com trabalho alternado no local de trabalho e acompanhamento efectivo dos que estão em teletrabalho com respeito pelos seus direitos, nomeadamente de descanso e privacidade.

Esta situação pode permitir instituir novas formas de organização do trabalho criativas e mobilizadoras colocando sempre no centro o bem estar dos trabalhadores e o sucesso da empresa.Melhorar a segurança e saúde dos trabalhadores, as carreiras, os estímulos, nomeadamente monetários, á iniciativa e participação dos funcionários.

Reforçar a autoestima e segurança dos trabalhadores através da formação profissional e do combate á precariedade e instituir mecanismos de combate á violencia e ao assédio moral são fundamentais.A própria actividade sindical e ação colectiva dos trabalhadores é um elemento importante para a coesão e animação dos colectivos de trabalhadores.Exemplos como os que se passam nos CTT, na TAP, Refinaria de Matosinhos e na Groundforce são preocupantes porque criam um ambiente geral de insegurança , de abandono e até de medo.

4.Evitar o isolamento, a perda de sentido e a desmotivação

São situações que sempre podem ocorrer mas que no quadro de pandemia são um maior risco.Os constrangimentos sanitários e organizacionais podem promover o isolamento e a perda de sentido do que se está a fazer, do projecto em que estamos envolvidos.Os trabalhadores mais recentes na empresa podem perder inclusive referencias importantes e a motivação para trabalhar porque se sentem abandonados pela gestão ou pelo coordenador de equipa.Perante a indiferença da gestão e a lesão de direitos o trabalhador pode sentir uma grande desmotivação e até revolta.Este pode ser o caminho para a depressão e para a emergência de outras doenças psiquicas ou físicas.

O enquadramento da gestão é muito importante com medidas de contacto pessoal e de equipa, com propostas de formação mantendo sempre o trabalhador nos projectos que tem em mãos.

As organizações de trabalhadores devem igualmente manter o contacto com os trabalhadoresm promover ações de informação, formação e ação colectiva.

5. Evitar os riscos de agressão e violência para com os trabalhadores

Quase todas as empresas e serviços públicos têm um ou mais departamentos com funcionários que atendem ou contactam com o público.Estes trabalhadores estão particularmente expostos aos riscos de assédio e violência no trabalho.

Neste quadro é importante não apenas a formação específica destes trabalhadores como a construção de medidas organizacionais que previnam as causas das agressões, verbais ou físicas,  do público, nomeadamente dirigidas ao bem estar dos utentes e cidadãos, a rapidez e eficiência dos serviços e a segurança de pessoas e bens.

A prevenção dos riscos psicossociais deve estar enquadrada no plano geral de prevenção de riscos profissionais tendo em conta o novo contexto de pandemia.Nesta prevenção, nomeadamente na avaliação de riscos é fundamental a participação dos trabalhadores e suas organizações.

 

Fontes:ACT;INRS;EU-OSHA,DGS-ETUI

segunda-feira, 1 de março de 2021

OS MILHÕES DA «BAZUCA»VÃO TORNAR-NOS MAIS RICOS E COMPETENTES?

 

O Plano de Recuperação e Resilencia (PRR), a famosa «bazuca» beneficia de um


envelope financeiro da UE no montante quase de 16 mil e setecentos milhões de euros.Os partidos do bloco central político já se movem tendo em conta o poder que este envelope lhes pode proporcionar.Daí a pressa de uma certa direita em arrepiar caminho e pôr de lado o Rui Rio, procurando seduzir novamente Passos Coelho para liderar a recuperação do aparelho de estado.Daí o equilibrismo de António Costa em procurar manter o poder por mais algum tempo.O pós pandemia terá uma sabor a mel para as gentes que circulam nas órbitas dos grandes partidos do poder e um sabor bem amargo para uma grande fatia de portugueses.

O PRR é um documento tecnocrático na linha de outros que têm vindo á luz do dia e muito do agrado dos burocratas da UE.Tudo combinado e avaliado por uma tecnocracia impante e rica que a nível nacional e internacional se estende aos milhares de consultores para todo o gosto, gabinetes de juristas e lobys mais ou menos disfarçados.

No centro político, em particular no PSD e PS o grande debate vai ser para onde vai o bolo maior do pacote financeiro:para as empresas ou para o Estado, o chamado investimento público.É um falso dilema pois em última análise os grandes beneficiários destes milhões vão ser as empresas nacionais e internacionais.O PSD grita que o Estado vai levar o bolo maior e que as empresas menos.Apenas um discurso para o povo ver e ganhar votos.No essencial os grandes actores da gestão e investimento da bazuca vão ser as empresas, accionistas respectivos e clientela política do centrão político.

Neste documento é óbvio que são desprezados determinados actores sociais e políticos que pouco contam para o mercado ou que são elemento descartável desse mesmo mercado.É o caso dos trabalhadores e suas organizações e todo o sector da economia social que enovolve centenas de milhares de trabalhadores, militantes e voluntários e que são essenciais para a coesão social e territorial do país.

Um documento com tal perfil e elaborado por tal «elite» apenas considera a questão da empregabilidade, do crescimento do emprego e de eventual riqueza partilhada nesse parametro.Para tais entidades iluminadas as organizações de trabalhadores não são um actor histórico capaz de contribuirem para um Portugal mais rico e democrático.Para eles o crescimento económico que a bazuca proprociona trará por si mesmo a partilha de alguma riqueza, não da riqueza.A definição de uma estratégia própria para atacar a pobreza endémica do País e as desigualdades não é uma questão de fundo a considerar.O pensamento tecnocrático é assim mesmo!

Assim pode acontecer que gastos os quase 17 mil milhões do PRR em multiplos investimentos o País até possa melhorar em alguns aspectos.Mas deveriamos ter a certeza de que daqui a dez anos não teríamos os mesmos dois mlilhões de pobres e um aumento das desigualdades sociais.Porque não tenham dúvidas, esses milhões podem perfeitamente desaguar nos mesmos de sempre que ficarão mais ricos.

Basta que não haja transição digital justa e  se apliquem milhões num novo capitalismo verde com criação de novos empregos precários mas se abandonem milhares de antigos trabalhadores das velhas industrias.Uma economia mais verde e digital com grandes investimentos públicos e privados não significa automáticamente um país mais justo socialmente e ambientalmente harmonioso.