domingo, 25 de agosto de 2019

PARA A RYANAIR OS TRABALHADORES SÃO TRAPOS!

Termina hoje ,25 de agosto, à meia noite a  corajosa greve de cinco dias dos tripulantes da Ryanair em Portugal convocada pelo Sindicato do Pessoal de Voo.Com a requisição civil decretada pelo governo e com a substituição ilegal de tripulantes a greve teve reduzidos efeitos nos respectivos voos da companhia irlandesa.Todavia o sindicato conseguiu uma  mole tomada de posição do governo português através do Ministério das Infraestruturas e Habitação.
Com efeito aquele Ministério tornou pública uma nota onde refere que « tem estado por estes dias a acompanhar com especial atenção e preocupação a greve dos tripulantes de cabine da Ryanair». e que a ACT estaria a investigar as eventuais irregularidades...Atenção e preocupação!Bastará?
Com efeito o principal ponto de conflito prende-se com a recusa na prática de cumprimento da legislação laboral portuguesa, e até comunitária, por parte da Ryanair. Neste quadro, para além da utilização ilegal de trabalhadores temporários, aquela empresa não paga subsídios de férias e de Natal e não cumpre as leis sobre os direitos de parentalidade.
Segundo o Sindicato «Na Ryanair trabalha-se à jorna como no Séc. XIX. Se são sorteados para trabalhar ganham, se não, recebem Zero. Mas para ir trabalhar é obrigatório estar disponível. Por esta disponibilidade para a empresa, 24h por dia, recebe-se 0 €. Além de estarem alijados das operações diárias e dos planos futuros da companhia os trabalhadores estão efetivamente à mercê da gestão quando se trata de colocações de base, reservas, férias etc. Um ordenado de Zero euros significa, na prática, ausência de descontos para a reforma, dificuldades para financiar uma casa, falta de autonomia para o planeamento familiar além de uma segurança precária em caso de doenças, acidentes etc.
Como arma de chantagem suprema a Ryanair está a utilizar a ameaça de despedimentos.Em pleno conflito em Portugal e na Espanha a empresa em vez de negociar enviou um mail aos trabalhadores anunciando o encerramento das bases de Faro e das Canárias com possível despedimento de 100 trabalhadores em Portugal e mais de 500 na Espanha.Neste quadro a Unión Sindical Obrera (USO) já decretou uma greve de dez dias em setembro.
Michael O’Leary o patrão principal da Ryanair foi considerado pelos sindicalistas, reunidos em Congresso mundial o pior patrão do mundo pela suas práticas de precarização próprias do século XIX.
Não é a primeira vez que a Ryanair se comporta desta maneira.É um mau exemplo de companhia aérea.Trata os pilotos e pessoal de bordo como trapos.Basta viajarmos uma vez nesta companhia e repararmos para o ar macilento e cansado do pessoal.A Ryanair é hoje o exemplo acabado de um capitalismo predador que trata os trabalhadores, os inspectores do trabalho e os sindicatos com uma arrogância inaceitável.A resposta teria que ser outra do Movimento Sindical nacional e europeu.Infelizmente não vejo grandes sinais de solidariedade para com estes trabalhadores.Uma das principais razões é que os respectivos sindicatos estão fora das grandes famílias políticas ou sindicais.O movimento sindical no seu conjunto e em particular os trabalhadores vamos pagar a fatura desta miopia.A luta dos trabalhadores da Ryanair merece todo o apoio e solidariedade!


segunda-feira, 19 de agosto de 2019

A GREVE QUE FOI FALADA DE NORTE A SUL


 
Após uma semana de greve os motoristas das matérias perigosas  decidiram em plenário desconvocar a mesma e retomar as negociações.Esta greve, que apenas envolveu umas centenas de trabalhadores, tornou-se num dos conflitos mais mediáticos e falados da nossa história democrática.
A trabalhar ou em férias os portugueses não ficaram indiferentes.Podemos e devemos retirar deste processo algumas reflexões que ajudem outros trabalhadores nas suas lutas.

Começo por dizer que relativamente a este conflito nunca acreditei nem acredito nas teses conspirativas com que algumas pessoas avançaram nas redes sociais e até em jornais.Vieram com os acontecimentos do Chile e da greve dos camionistas, com um email que circulou por aí falando em ataques á «geringonça», enfim, em manobras da extrema direita, etc.
Estas narrativas serviram para isolar a luta dos motoristas e de certo modo diabolizar o seu sindicato e em particular um dos assessores o Pardal Henriques, uma personagem ambígua de características mercenárias.Com que objectivos?

Todos os motoristas beneficiaram com esta greve

Uma primeira coisa a constatar é que ainda que não acabe já este conflito  podemos dizer que todo o sector beneficiou desta luta.O  Acordo que irá actualizar vários aspectos do contrato colectivo para o sector assinado pela FECTRANS em plena greve foi uma peça importante para  debilitar as reivindicações e a luta dos motoristas de matérias perigosas.A negociação foi sabiamente gerida e em tempo oportuno. Podemos dizer o mesmo relativamente ao acordo com o outro sindicato independente dos motoristas que se retirou da greve deixando ainda mais isolados os outros  grevistas das matérias perigosas.Quem poderá ficar com as mãos  quase vazias poderá ser o sindicato destes últimos.

Um conflito que mostrou como se trabalha em muitos sectores do privado

Este conflito teve também o mérito de chamar a atenção dos portugueses para os baixos salários destes trabalhadores, para a carga horária excessiva, para as condições deficientes de trabalho , nomeadamente de vigilância de saúde e segurança.A requisição civil apressada mostrou que se os motoristas apenas cumprissem os horários legais criariam e podem criar no futuro problemas sérios de abastecimento.Infelizmente a falta de experiência destes trabalhadores levou a que não fizessem mais publicidade das suas deficientes condições de trabalho explorando o potencial risco que encerra essa situação para as outras pessoas que circulam nas estradas portuguesas.
A maioria dos portugueses efectivamente não sabia da realidade de trabalho destes motoristas.Mas, mesmo aqui não faltou quem esgrimisse recibos de vencimentos para mostrar que estes trabalhadores ganham fortunas, explorando a inveja que, nestas ocasiões, invade o espírito de gente pobre que ganha o salário mínimo.

Os maiores erros dos grevistas

O sindicato dos motoristas de matérias perigosas cometeu alguns erros que contribuíram para  a actual situação.Um deles foi uma avaliação incorrecta da situação política e dos ensinamentos da greve da Páscoa.Fizeram uma avaliação optimista da greve da Páscoa e do poder que de repente viram nas suas mãos.Foram novamente para uma greve sem prepararem uma boa informação à população, sem aliados e entregando a estratégia de luta a uma pessoa que poderá ser um bom advogado de direito do trabalho mas não é um bom sindicalista.
Ao decretarem uma greve com dia de início e sem fim num sector tão estratégico, a poucas semanas de eleições, o sindicato jogou tão forte que motivou uma resposta igualmente forte do governo e dos patrões unidos, embora por motivos diferentes em liquidarem esta greve.Se estavam à espera do caos para obterem as suas reivindicações enganaram-se tragicamente.Tal situação maximalista tornava difícil eventuais recuos sem mostrar  fraquezas óbvias.

Serviços mínimos que abrem um precedente perigoso

Um conflito com tais consequências políticas iria ter uma resposta forte do governo como assim aconteceu.Tudo indica que o governo se preparou bem para esta greve lançando mão de todos os meios e estando aparentemente pouco empenhado em aproximar as partes em conflito como se a greve fosse uma fatalidade da qual até pudesse tirar proveito.Nesse quadro definiu serviços mínimos de tal magnitude que foram considerados de máximos e quase esvaziaram a greve.Não satisfeito ainda aplicou a requisição civil e as tropas onde julgou necessário.
Se uma greve não pode constranger a vida de turistas, nem as férias de portugueses, nem as colheitas na agricultura ,nem as exportações de carros ou outros bens com mais razão podemos dizer que não poderá afectar as escolas, os hospitais, cadeias,a recolha de impostos, os inspectores do estado, o lixo das cidades.Ou seja, o direito constitucional á greve existe apenas na Constituição mas no futuro qualquer governo de direita ou de esquerda acabará com uma greve através da definição máxima de serviços mínimos.

A esquerda, os sindicatos independentes e o futuro

Tenho lido algumas reflexões que vão no sentido de que a actual solução governativa sustentada pelos partidos de esquerda contribuiu para a emergência de novos sindicatos não alinhados com a UGT ou a CGTP.Mais do que a solução governativa dos últimos anos eu diria que é mais a prática sindical das últimas décadas das grandes confederações e o colete de forças imposto pelas regras da UE, pela precarização e desvalorização salarial.Com efeito, basta reflectir sobre o que se tem passado nos últimos anos ou décadas na Função Pública.Degradação das carreiras, perdas salariais enormes sem aumentos e progressões, perda de estatuto.Qual tem sido a resposta dos sindicatos da UGT e da CGTP?Greves de um dia que resultam em perda de salário, manifestações que quase se resumem a delegados e activistas, enfim um sindicalismo conformista que serve para deitar fora frustrações, gritar e agitar a bandeira do sindicato.Mas os resultados são confragedores em particular para as classes operárias e outros operacionais das autarquias, escolas e hospitais.Esta gente, que pouco mais ganha do que o salário mínimo há décadas,começa a pensar que se tivesse um sindicato próprio já teria avançado para lutas mais duras.São eles que, por exemplo, fecham as escolas e não são os professores!
É muito natural que no futuro tenhamos mais sindicatos independentes.Sindicatos que querem governar-se mas que também irão descobrir que sozinhos terão a vida difícil.Precisam de laços, de trocarem experiências, de aliados que não tenham a tentação do controlo.Pelo facto de não estarem alinhados com as confederações não devem ser suspeitos, nem isolados, nem humilhados!

domingo, 11 de agosto de 2019

UMA GREVE SUBVERSIVA?


Para se entender a greve convocada para o dia 12 de agosto por dois sindicatos de motoristas, em particular a dos que transportam matérias perigosas, teremos que referir alguns antecedentes ocorridos nos últimos tempos, nomeadamente a greve da Páscoa passada que colocou o País à beira   de um ataque de nervos e o governo PS na corda bamba.
Em primeiro lugar não havia memória de uma greve neste sector ameaçando parar o País com pesadas consequências para a economia e para a vida dos portugueses.As greves ocorridas nos transportes até então apenas deram aborrecimentos aos peões, ou seja aos trabalhadores mais pobres, os que viajam pra o trabalho nos transportes públicos.As empresas de transportes pouco afectadas são com greves de um ou dois dias, pois a maioria dos trabalhadores usam o passe mensal.Estas greves, porém, mexem também com a vida das classes médias altas e poderiam prolongar-se no tempo, afectando duramente as empresas do sector.
Novos protagonistas sindicais tinham aparecido entretanto nos últimos anos devido ao descontentamento com a falta de eficácia reivindicativa da FECTRANS para o sector.Em segundo lugar a greve em abril e a de agosto pretendiam aproveitar o actual contexto político cujos pontos altos seriam maio (eleições europeias) e outubro para as legislativas. Esta questão é muito importante porque a propósito várias teorias conspirativas se ergueram, desde que os motoristas eram manipulados pela CIA ,até que pretendiam deitar abaixo a inédita «geringonça».
Tais teses, ou narrativas como agora se diz, espalhadas pelas redes sociais vinham particularmente de gente de esquerda o que é ofensivo para a classe pois levam ao afastamento e revolta de muitos motoristas.Muitas das tiradas referiam inclusive o assessor do sindicato, um tal  Pardal Henriques, e a sua influência política maligna.Lamentáveis tais diatribes porque, pese a figura ser estranha e desagradável, alguém tem dúvida da influência não apenas jurídica mas também político-partidária de muitos advogados de sindicatos ao longo da história?

Os objectivos e reivindicações dos motoristas de matérias perigosas

A comunicação social desde cedo fez o cerco aos motoristas tomando partido no conflito.Deu informações contraditórias, alarmou, instigou a tomar medidas «robustas» e «musculadas» como definia um director de um diário.
Todavia, não faltaram notícias sobre os vencimentos de motoristas e sobre as suas reivindicações mais emblemáticas.Houve críticas porque ganhavam muito, mas o salário base,630 euros, pouco passa do salário mínimo actual.Há anos que andam nestes valores, sem aumentos sérios deitando as empresas mão de subsídios e ajudas de custo para os obrigar a trabalhar mais por menos dinheiro.Exigir primeiro dois salários mínimos, e depois já aceitavam 900 com aumentos de 100 euros nos anos seguintes,são exigências irrealistas depois de tantos anos de estagnação salarial?
Melhorar a sua situação salarial, condições de trabalho e o seu estatuto especial no âmbito dos motoristas são reivindicações mais que justas dadas as caracteristicas da sua profissão de risco.Profissão de risco que exige formação e certificação especial.Profissão que deve ser valorizada salarialmente e não com subsídios de risco que, na minha opinião, deveriam ser absolutamente banidos em todas as profissões.O que se exige da entidade patronal é o exercício do trabalho em segurança e saúde, evitando o trabalho em excesso, a fadiga crónica,os problemas músculo-esqueléticos que ficarão para toda a vida.Estes homens não são máquinas, são pessoas com família e com um corpo que adoece e morre.Não são brutos insensíveis como muitos pensam,mas pessoas com sentimentos, uma cultura própria e fortemente classista e não se deixam manipular por qualquer advogadozito.

Medo do governo levou a serviços mínimos exagerados

A greve de abril levou patrões e governo a prepararem-e devidamente para a de agosto.Viram nesta greve, em particular o governo, um desafio político que sendo superado esmagaria as veleidades dos motoristas atrevidos e suspeitos.Neste sentido os patrões e governo aproveitaram o facto da greve dos motoristas de matérias perigosas ter um dia para começar mas não apresentar um dia para acabar.Uma greve que ,sendo legal, tem um certo carácter subversivo mesmo para os especialistas em fazerem greves há muitos anos e para os especialistas em direito constitucional, bem instalados nas suas poltronas.Perante esta forma radical de avançar com a greve o governo respondeu com toda a «artilharia» ao seu dispor, nomeadamente fazendo declarações pouco consentâneas com a sua missão que é promover o diálogo e arbitragem entre as partes até ao último momento.A atitude do governo mostrava claramente que iria actuar «robustamente» o que deu um certo conforto  desde a primeira hora à ANTRAM.
E assim aconteceu, pois esta entidade patronal também se radicalizou desde a primeira hora visando humilhar e derrotar os motoristas.A definição de serviços mínimos , que são máximos,foi a gota de água num conflito ainda anunciado mas já em brasa.De certo modo com serviços mínimos que vão desde 50 a 100% a greve foi esvaziada retirando grande eficácia á luta dos motoristas.Mesmo assim os motoristas decidiram em plenário, coisa que nem todos os sindicatos fazem,avançar com a greve.Por unanimidade!Vamos ver o desenrolar dos acontecimentos.Não posso deixar, no entanto, de dizer que o governo foi demasiado longe com estes serviços mínimos ferindo o direito constitucional à greve.Tendo por missão garantir o quadro da legalidade e os serviços essenciais, o governo tinha sempre à mão a «bomba anti sindical», a requisição civil, para não deixar que o caos porventura se instalasse ou alguma força estranha tivesse a intenção de qualquer golpe anti democrático.

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

OS PERIGOS DAS MATÉRIAS PERIGOSAS

Os motoristas de mercadorias portugueses decidiram estragar as férias, em particular aos portugueses que levam o carro para todo o lado ,menos para a cama porque não é possível.Os dois sindicatos, os das matérias perigosas e o de todas as outras mercadorias  convocaram uma greve a começar no dia 12 de agosto. Sem data para acabar e com uma proposta de serviços mínimos de 25%!
Ainda a greve estava longe e já se sentia um certo desconforto geral, bem como a irritação contra esses malandros que podem parar o País .Há pessoas da direita a esfregar as mãos de contentes, pois agora é que vamos ver como o governo se safa, estando nós a dois meses de eleições legislativas.Há algumas pessoas de esquerda clamando contra um sindicato que consideram duvidoso, em particular o seu estranho advogado, e uma greve julgada já por alguns como reaccionária!Há outros que estão em silêncio porque têm motivos para se manterem neutros.
A principal irritação vem do governo que vê os defeitos do sindicato e os malefícios da greve mas cala a inflexibilidade e arrogância dos patrões , a ANTRAM, iludindo o que deve ser uma negociação onde a Administração deve facilitar o diálogo social e não vituperar um dos protagonistas na televisão.Alguns até sugerem uma eventual revisão da lei da greve.
Claro que o governo se deve preparar para todos os cenários.Tem esse dever perante os portugueses.Mas a sua prioridade deve ser a de fazer todos os esforços para que se chegue a uma conciliação.Será que todos estão interessados nesta greve menos os portugueses?
A Antram não quer negociar enquanto estiver convocada a greve.É uma pura tática negocial.É caso para nos questionarmos sobre a boa vontade de esta estrutura patronal.Então a greve não é para evitar a todo custo?Parece que não!Assistimos a estranho imobilismo.Parece que a greve será uma fatalidade.Será?
Poucas pessoas se querem debruçar sobre as condições de trabalho dos motoristas, nomeadamente sobre a sua situação salarial.São motoristas que são obrigados a uma formação especial e a um certificado próprio para transportar estes produtos.Por outro lado, arriscam a sua vida diariamente nas estradas pois em caso de acidente as suas cargas são autenticas bombas!Transportam matérias inflamáveis, químicos e radioactivos...
Reivindicam um estatuto próprio e alterações ás condições do trabalho nocturno e extraordinário e um salário base de dois salários mínimos ou seja de 1200 euros brutos, perfeitamente normal para o trabalho que executam.Recentemente passaram por aceitar 900 euros.As empresas que produzem ou importam aquelas matérias ganham milhões como é o caso da GALP e outras empresas do ramo.Os seus accionistas, nacionais e estrangeiros,ganham milhões.
Esta greve pode efectivamente prejudicar a economia portuguesa e complicar a vida dos portugueses.Pode ter efeitos perversos? Pode!Mas desde quando uma greve não prejudica alguém?O facto do sindicato não estar filiado em nenhuma central por acaso faz dele um foragido ou reaccionário?É acusado de aproveitar a época eleitoral.Será que os outros actores também não estão com cálculos eleitorais, nomeadamente o governo e a ANTRAM?Não gostam do Pardal?Também eu não.Mas quem empurrou os ditos motoristas para um sindicato próprio?E porquê?