sexta-feira, 22 de novembro de 2019

FORÇAS DE SEGURANÇA DESAFIAM GOVERNO



De vez em quando os sindicatos da PSP e da GNR fazem ouvir a sua voz na rua.Ontem,dia 21 de novembro, mais uma vez aconteceu em Lisboa,junto à Assemblleia da República uma grande manifestação de agentes policiais e militares da GNR.Nota-se nestas forças há muitos anos um mal estar que já não está circunscrito aos próprios e respectivos familiares mas que já se expandiu para outros scetores da sociedade com repercussões políticas óbvias.Este mal estar tem a ver com as condições de trabalho destes profissionais,com o seu reconhecimento,imagem e papel na sociedade democrática.
Se verificarmos  as reivindicações sindicais  dos polícias e guardas chegamos à conclusão que são negociáveis e, na sua maioria justas.Para além dos 978 euros brutos que pretendem no início da carreira e reforma aos 55 anos ou 36 de serviço os sindicalistas debateram com o ministro a 15 deste mês outras importantes reivindicações como a aplicação da legislação sobre a prevenção e promoção da segurança e saúde no trabalho , actualização dos suplementos remuneratórios e ajustamentos nas carreiras
Segundo comunicado sindical mais uma vez o Ministro informou que as matérias« estão pendentes para resolução,para isso haverá uma calendarização a médio prazo para discutir com o Secretário de Estado».Como dizia um manifestante á televisão:«às nossas reivindicações de muitos anos respondem-nos com comissões e reuniões».
É verdade que os sindicatos estarão disponíveis para um debate que seja para resolver os problemas e não para protelar os mesmos indefenidamente.Naturalmente que algumas reivindicações terão que ser ponderadas, não no sentido de perderem direitos mas de consolidarem os mesmos.Por exemplo a reivindicação justa de implementação de condições de segurança e saúde em todos os locais de trabalho, nomeadamente esquadras com alojamentos dignos e equipamentos de trabalho modernos e adequados,avaliação de riscos, nomeadamente psicossociais e exames médicos.
Esta justa reivindicação, transversal a quase toda a Função Pública apesar de reforço legislativo recente, não se coaduna muito bem com um subsídio de risco.A profissão de polícia tem riscos.Mas existem outras profissões com grandes riscos.Quem vai para polícia sabe que é uma actividade de risco e para isso tem preparação específica.A reivindicação de subsídio de risco deve ser incorporada no salário em todas as profissões e deve ser substituida pela reivindicação de prevenção dos riscos e promoção da segurança e saúde no trabalho.
Quanto à reivindicação da reforma  também deve ser ponderada pois mesmo tendo em conta as condições específicas da profissão creio que poderia passar para os 60 anos.Encarar a profissão de polícia, de todos os policias como tropa de choque é um erro.É evidente que a polícia pode ter missões que não serão adequadas para homens que já tenham mais de 55 anos.Mas a polícia é uma força de segurança com multiplas misssões, nomeadamente de informação, de vigilância de rotina, de escolas, de eventos, de escritório etc.Por acaso essas actividades não podem ser desenvolvidas por homens e mulheres com 55 e mais anos?
As reivindicações centrais são, portanto, a de remunerações justas,condições de trabalho adequadas, nomeadamente ao nível de armas,viaturas, comunicações e proteção ,vigilância da saúde física e psiquica,abertura de concursos para contratação de mais profissionais.A questão do estatuto e das carreiras é igualmente importante no sentido de dignificar e motivar os agentes.
Depois temos o importante problema dos poderes policiais que passa pelo estatuto, direitos e deveres dos agentes.Os agentes têm que se sentir protegidos pela lei e não podem estar com medo de que poderão ser castigados ou atacados com toda a facilidade.Todavia, se eles devem estar protegidos pela lei os outros cidadãos também estão protegidos pela mesma e não podem estar sujeitos à violência policial discricionária.
Mas é neste terreno que se joga a questão política mais importante.A população está mais dis ponível para se colocar ao lado do polícia do que uma eventual vitima da mesma.Esta percepção tem a ver com a nossa cultura tradicional sobre a autoridade e com o sentimento de segurança das populações.Mas é aqui que as forças autoritárias e neo nazis estão actuando,procurando não apenas infiltrar as forças de segurança , assumindo as suas reivindicações, como explorando os sentimentos de medo e insegurança das populações.Neste sentido a manifestação do passado 21 de novembro é um alerta.O governo deve ter consciência que, no limite,  a austeridade pode destruir os serviços públicos, nomeadamente as forças de segurança.Mas o alerta é também para as múltiplas organizações sindicais do sector que terão que ser mais eficazes.Um novo actor não sindical entrou em cena para lhes disputar o terreno. 



quinta-feira, 7 de novembro de 2019

O PROGRAMA DO NOVO GOVERNO É FIXE?


O segundo governo de António Costa já tem um programa para a legislatura.O que podemos dizer após uma leitura em diagonal de um texto tão longo?Em primeiro lugar algumas considerações gerais sobre um programa que coloca três ou quatro questões actuais como  grandes desafios para os próximos quatro anos de governação.
O documento organiza-se tematicamente procurando dar uma imagem de modernidade do governo,dando relevo nomeadamente a temas actuais como o desafio demográfico,as desigualdades e o digital.Como estratégia de fundo procura aparentemente uma aproximação aos aliados da «geringonça».
No entanto,o programa não deixa de ser uma abordagem tecnocrática da economia e do trabalho,fazendo da educação,à boa maneira republicana, a chave do combate às desigualdades e da promoção da igualdade de oportunidades.Este enfoque deixa-nos algo apreensivos.
O trabalho e os trabalhadores são remotamente focados dando lugar às clássicas medidas de apoio ao emprego, à concertação social para onde será remetida a tímida política laboral da legislatura.O perfil da própria Ministra do Trabalho é muito significativo.Uma pessoa  competente em matéria laboral, sob ponto de vista técnico, mas com pouca experiência política e pouco peso no governo.
Por outro lado, as medidas que são apresentadas são na generalidade vagas e sem metas de concretização.Muitas delas são para ir concretizando, ou não, à medida dos ventos sociais.O aumento do salário mínimo de 750 euros é, talvez, uma das poucas medidas quantificadas.
Subjacente a esta estratégia está a vontade já manifestada de realizar no futuro um acordo na Concertação social sobre rendimentos, nomeadamente salários e pensões, bem como sobre a negociação colectiva.Tudo indica assim que não haverá espaço para novas alterações à legislação laboral repondo o que se perdeu no governo de Passos/Portas no quadro da Troika.O argumento principal que tem a nova ministra Ana Godinho é que teremos que esperar para ver os efeitos no terreno das recentes alterações, nomeadamente sobre a contenção da precarização das relações laborais, banco de horas etc.
Numa primeira leitura o Programa não prevê grandes alterações na área das relações laborais, embora o novo governo se confronte mais adiante com a realidade da precariedade que pode aumentar, bem como o trabalho clandestino.Isto para não falar de todo o sector das políticas de segurança e saúde no trabalho que o Programa quase ignora.
Perante este documento os sindicatos vão ter que definir a sua estratégia para que algumas «boas intenções» sejam efectivadas e outras menos boas sejam simplesmente esquecidas.Relativamente ao salário mínimo o governo parece que já tem números na cabeça.Porém, nem patrões nem sindicatos vão estar de acordo com as propostas do executivo.
Quanto a um acordo sobre política de rendimentos neste momento, e caso a economia cresça a ritmo aceitável,não vai interessar aos sindicatos.Estes, pelo menos os da CGTP e alguns independentes não vão querer ficar com um colete de forças, agarrados a um referencial que serve de bitola para calar as reivindicações justas em sectores onde claramente se tem feito dinheiro mas os trabalhadores pouco ou nada beneficiam dessa riqueza.
E sobre esta questão ainda temos um problema crónico de difícil resolução que é a representatividade das organizações patronais e sindicais que assinarem esse acordo.Sem efectiva representatividade os acordos não passarão do papel e apenas servem para travar as lutas sociais.
O Programa do governo tem, no entanto, potencialidades  para um efectivo diálogo que não seja uma caricatura do mesmo.É fundamental dinamizar a contratação colectiva e fazer acordos sobre questões sectoriais como aspectos da qualificação e emprego dos jovens, doenças profissionais ,riscos psicossociais e acidentes de trabalho,transição digital, dignificação das carreiras na Função Pública.É importante preparar medidas contra a precariedade e o trabalho clandestino, dar meios e quadro legal para uma ACT mais activa.Se o documento não passa de um conjunto de «boas intenções» a relação com o Movimento Sindical vai ser difícil.Porém, se subjacente ao mesmo existir uma genuína vontade de dignificar o trabalho e os trabalhadores então existe caminho para caminhar.