quinta-feira, 23 de abril de 2020

SUBSÍDIO DE RISCO?NAO, OBRIGADO!


Nos últimos dias têm aparecido algumas pessoas e instituições a sugerirem um subsídio de risco
para os trabalhadores de sectores de actividade mais expostos ao COVID 19, nomeadamente pessoal da saúde que está na primeira linha deste combate.As motivações podem ser generosas e os tempos são de emoções à flor da pele.Não concordo, porém, com tais propostas pois o súbsídio de risco é polémico e perverso como adiante referirei.
Aliás, em várias sessões de formação de segurança e saúde no trabalho tive ocasião de debater esta questão com activistas sindicais.Claro que onde existe subsídio de risco como mineiros, trabalhadores de limpeza, forças de segurança e outros não existe sindicato que proponha a sua supressão.Também não sugiro a sua supressão e sei que não seria compreendido por uma parte dos que recebem tal remuneração.Sempre é um acrescento às parcas remunerações destes trabalhadores.
Todavia, o subsídio de risco é perverso pois serve ,quase sempre, para legitimar condições de trabalho deficientes, nomeadamente de segurança e saúde no trabalho.A entidade empregadora, pública ou privada, ao pagar o subsídio de risco lava as mãos no que respeita a uma verdadeira promoção da segurança e saúde dos trabalhadores.
Por outro lado,neste momento quase todas as profissões são de risco, portanto, todos teriam direito ao respectivo subsídio.Ora, tal situação não tem sentido.Embora possamos compreender que um polícia ou um enfermeiro tenha um subsídio de risco também é verdade que tais profissões foram por escolha dos próprios.Por outro, lado se verificarmos as estatisticas dos acidentes de trabalho quem mais morre no trabalho, e a grande distância de outros profissionais, são os trabalhadores da construção civil.
O que efectivamente tem sentido é pagar salários dignos e justos a todos os profissionais tendo em conta a sua categoria, competência e empenhamento.Em vez de propôr subsídios de risco ao pessoal de saúde será melhor avançar com a valorização salarial destes trabalhadores e, em simultâneo, exigir condições de segurança e saúde no trabalho, nomeadamente com proteção colectiva e individual, exames médicos, horários e descansos normalizados.
O que a Constituição diz , bem como o regime juríidico da promoção da segurança e saúde dos trabalhadores (Lei 102/2009) é que todos temos o direito a trabalhar em condições seguras e saudáveis.Estas condições não podem ser trocadas por meia dúzia de euros de subsídio.Neste sentido insistir em propostas de subsídio de risco é perpetuar algo que já deveria estar extinto há muito tempo nas nossas relações laborais.
.A verdadeira reivindicação sindical não é exigir um subsídio de risco para uma profissão, mas antes exigir serviços de segurança e saúde que não sejam uma fraude, que  avaliem efectivamente os riscos dos locais e postos de trabalho, que façam uma vigilância da saúde periódica e sempre que existam alterações nos locais de trabalho ou nos produtos e equipamentos.É instituir horários de trabalho que permitam o descanso e a conciliação da vida profissional , social e familiar.É combater as causas do stresse e do assédio!
Considero, no entanto, que determinadas profissões estão, não apenas mais expostas a riscos especiais, como a um desgaste mais rápido, para além do que seria a «normal» erosão do trabalho.As relações de trabalho do sistema capitalista estão em profundas mudanças, a competitividade e os ritmos de trabalho são enormes e temos  segmentos de trabalhadores cada vez mais sujeitos  a uma intensa exploração que se reflecte indiscutivelmente na sua saúde.Os profissionais de saúde em todo o mundo estão nestas condições.Os melhores remédios são a diminuição do tempo de trabalho para as 35 e 30 horas, ou quatro dias por semana sem cortes salariais, a diminuição progressiva da idade de reforma, a participação dos trabalhadores e das suas organizações  na organização do trabalho para evitar que esta se torne patológica.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

A REVOLUÇÃO DE ABRIL E AS CONDIÇÕES DE TRABALHO


O golpe de 25 de Abril de 1974 pertence à História de Portugal e já muito se escreveu sobre o mesmo.No entanto é sempre bom relembrar e ver o que aqueles acontecimentos de há 46 anos significaram para Portugal.
O movimento grevista que ocorreu no outono de 1973 na cintura industrial de Lisboa e do Porto continuou nos primeiros meses de 1974 envolvendo cerca de 100 mil trabalhadores. Uma parte significativa do sindicatos oficiais do regime tinham direções democráticas com elementos da oposição.Sindicalistas comunistas, socialistas,católicos e independentes convergiam na oposição à ditadura lutando conta a opressão e exploração que as classes trabalhadoras estavam a sofrer.É verdade que em algumas grandes empresas os operários já tinham alcançado várias vitórias, salariais e outras, porque esses patrões, em muitos casos multinacionais estrangeiras,precisavam deles para dinamizar e modernizar os seus negócios.

O trabalho matava quase tanto como a guerra

Todavia, existem dados estatisticos de 1973 do Congresso Nacional de Prevenção de Acidentes que nos falam de mais de 800 mil acidentes de trabalho entre os quais quase meio milhar de mortos numa população trabalhadora bem menos numerosa da que temos hoje.Três destinos marcavam a vida da maioria dos jovens portugueses: a fábrica, a emigração e a guerra em África.No trabalho morria-se quase tanto como na guerra.Como a greve era considerada um crime e o protesto um acto de subversão a classe trabalhadora pagava com a sua vida o progresso dos negócios e alimentava uma classe restrita de macro ricos, em geral monopolistas, e uma guerra nas colónias.
Existiam em algumas empresas comissões de higiene e segurança que mais não eram do que marionetas dos patrões.A legislação existente não era clara quanto ás responsabilidades das empresas em caso de acidente e doença profissional.As seguradoras ,em geral ligadas aos grandes grupos económicos, faziam o que queriam sem hipótese de contestação.
Parte destes problemas continuaram após o 25 de Abril apesar de vivermos num quadro de liberdade.Uma importante percentagem dos trabalhadores das cidades eram rurais que tinham emigrado para as cidades.A cultura de prevenção era inexistente,tantos nos trabalhadores como nas chefias e patrões, o Estado, não tinha dinheiro para investir, e o País tinha apenas um punhado de técnicos capazes de gizarem uma política nacional de prevenção.Esse punhado de técncios chegou a elaborar em 1977 um Plano Nacional de Prevenção com uma estratégia e um vasto conjunto de medias de promoção da segurança e sáude dos trabalhadores.O plano ficou na gaveta pois o País tinha outros problemas e prioridades.
E assim  o País ,após 46 anos, ainda tem mais de 200 mil acidentes de trabalho quase 200 mortais e um número irrealista e substimado de doenças profissionais.Tem uma melhor legislação, sem dúvida alguma, em parte devido ao acerbo comunitário,tem uma maior sensibilização para estas matérias, tem algumas empresas que levam a sério a prevenção de acidentes de trabalho, tem hoje milhares de técnicos de segurança no trabalho.Todavia, ainda tem um grande número de empresas que promovem apenas no papel a segurança e saúde dos trabalhadores.A precariedade introduzida na legislação e o crescente trabalho temporário, um excelente negócio, abriram as portas a uma superexploração, a uma mentalidade de usar e deitar fora, propícia à expansão de condições inseguras de trabalho e a crescentes patologias.

Em liberdade a luta continua

Formas de gestão predadora, justificadas pela competitividade, usam o assédio moral , humilhando e destruindo a saúde de milhares de trabalhadores.Os ritmos de trabalho, a cultura de que o cliente tem sempre razão e a nossa felicidade está na sua satisfação, colocam o stresse como o veneno do século, matriz de várias doenças físicas e psiquicas.

Assim, agora em liberdade, os trabalhadores continuam a lutar por melhores condições de trabalho e de vida, contra novas formas de opressão e exploração!Mas, apesar de tudo viva o 25 de Abril! A luta continua!Nos locais de trabalho e na rua!


sábado, 4 de abril de 2020

O CORONAVIRUS E A PROMOÇÃO DA SEGURANÇA E SAÚDE DOS TRABALHADORES


Neste momento todos os esforços quer  emocionais quer financeiros das sociedades vão para o
combate à doença e para evitar uma ruptura social.Mas, controlada a situação, há muito que reflectir sobre o que nos caiu em cima, precisamente num momento difícil da Humanidade.Entre as questões a ponderar e a debater temos, sem dúvida ,os sistemas de saúde na Europa e nomeadamente o nosso Sistema Nacional de Saúde que, apesar de tudo, mostra a sua resilência num momento tão dramático e após intensos conflitos profissionais ainda não totalmente resolvidos, em especial com os enfermeiros.
É verdade que as vulnerabilidades dos sistemas de saúde já vinham a ser apontadas e reflectidas em vários foros nacionais e internacionais.Ainda em setembro passado participei num seminário internacional em Varsóvia promovido pelo Sindicato Solidarnosc onde eram manifestas as preocupações com a situação demográfica em alguns países europeus, com o envelhecimento da população,e as dificuldades orçamentais dos países , bem como com a privatização de importantes sectores da saúde.
As medidas restritivas da UE, a filosofia neo liberal de menos Estado,o pesado montante de juros a pagar anualmente aos credores, como no caso portugês, adiaram os investimentos necessários, nomeadamente de pessoal,nos sistemas de saúde.O envelhecimento da população, muita dela com doenças crónicas graves, coloca problemas específicos aos sistemas de saúde.
Na realidade perante estas constatações, na maioria dos casos, o que vingou sempre foi o controlo rigoroso do déficite , a contenção salarial e de progressão das carreiras e do bem estar dos trabalhadores nomeadamente do sector da Saúde.A academia ia produzindo estudos avisando para os graus de bounout em médicos e enfermeiros.Todos os dia viamos pessoal de saúde a emigrar para o reino unido.

Investimento na segurança e saúde dos trabalhadore é muito pequeno

Acontece ainda que o investimento na segurança e saúde dos trabalhadores é muito baixo em quase todos os países para não falar de alguns países do Leste da Europa e Balcãs onde se fazem leis para formalmente contentar a Comissão Europeia mas pouco se faz no terreno.Em Itália a sinistralidade laboral aumentou após a crise financeira e social de 2008 e a saúde dos trabalhadores, em particular dos agrícolas e imigrantes é um fracasso.As doenças profissionais e os acidentes de trabalho ,mesmo que em alguns países teham diminuido, é notória a lentidão desta diminuição, tornando-se num dos problemas crónicos das sociedades pós industriais.Embora pouco se fale, morrem anualmente cerca de 100 mil pessoas por cancro profissional.Por outro lado, aumentam as doenças mentais em larga medida relacionadas com as formas precárias de trabalho, a gestão patológica da competitividade das empresas e o stresse laboral.
Mas também em Portugal os serviços de segurança e saúde das empresas são, em larga maioria, externos, por prestação de serviços.É verdade que a legislação estipula o equipamento a ter e  o que devem fazer estes serviços vistoriados pela Autoridade para as Condições de Trabalho e pela Direção Geral de Saúde.Mas quando falamos com os trabalhadores vemos que na prática, em muitos casos, não existe rigor no que respeita a exames médicos , nem se efectua avaliação de riscos e trabalha-se em condições pouco saudáveis.Existem milhares de pequenas empresas que, em rigor, deveriam ser fechadas por insalubridade.Tal rigor, porém, levaria à destruição também de milhares de postos de trabalho!
Ora, a presente pandemia obriga as autoridades de saúde e das condições de trabalho, bem como as organizações de trabalhadores, a uma profunda reflexão sobre o que se passa e vai passar para se tirarem conclusões positivas.Os governos terão que fazer contas porque o investimento na saúde será no futuro um dos melhores investimentos públicos.Por outro lado, há que concluir que a questão da segurança e saude dos trabalhadores deve estar no coração do sistema público de saúde.A promoção da segurança e saúde dos trabalhadores não é apenas um problema das empresas e dos trabalhadores.É um problema de toda a sociedade.É um problema de uma economia que não mate!

Empresas terão que se preparar para situações pandémicas

No futuro as empresas e o Estado terão que melhorar, não apenas os sistemas de segurança e saúde nos locais de trabalho, mas preparar estes para enfrentarem situações pandémicas como a que agora estamos a enfrentar.
Tal como agora são obrigatórios em determinados trabalhos esquipamentos de proteção individual e colectiva , bem como os extintores e outros meios de combate aos incendios também no futuro as empresas terão que estar preparadas para defender de forma muito mais eficaz a segurança e saúde dos trabalhadores com medidas a integrar na avaliação do risco e nos planos de segurança e saúde.Terão que ter planos de contingência e equipamento de proteção individual adequado a um surto como o que estamos a enfrentar.
Ao nível estrutural os locais de trabalho também devem , logo na sua concpção,integrar as preocupações pandémicas.Vamos continuar a trabalhar em «open spaces», locais abertos, sem as distâncias legais entre os postos de trabalho , todos ao monte e fé em Deus? A construir call centers e outros locais de trabalho que parecem galinheiros?
A próxima Estratégia Comunitária de Segurança e Saúde no Trabalho para 2021-27 deveria ter em conta esta nova questão  da pandemia.O investimento na saúde e concretamente na saúde dos trabalhadores é um investimento que vai dar frutos precisosos no futuro, nomeadamente evitando mortes, sofrimento e perdas económicas.A saúde das pessoas tem que ter uma abordagem global, integral.A pessoa é a mesma em casa e no trabalho, no lazer e na vida social.A estratégia preventiva da saúde, onde deve estar o fundamental do investimento, deve visar, com a participação dos trabalhadores, o bem estar destes em casa, no trabalho e no lazer.