Recentemente participei num seminário sobre digitalização da economia e trabalho digno
promovido pela BASE-FUT, Organização históricamente ligada ao mundo do trabalho e do sindicalismo.O programa do seminário incluia uma visita a uma empresa digital cujos 250 engenheiros eram tratados por «colaboradores» e não por trabalhadores e que nos foi apresentada como empresa modelo, excelente para trabalhar,com flexibilidade de horários, onde as relações laborais eram de tal modo personalizadas que quase não era preciso um quadro legal, nomeadamente a mais recente legislação sobre teletrabalho e a «obrigação a desligar».
Trabalham por objectivos e cada um é
considerado nas suas particularidades;se um quer trabalhar mais de manhã e
estar com o filho ou filha à tardinha pode fazê-lo;se um quer fazer ginásio ao
meio dia dispõe de tempo e equipamento para o efeito.O importante, segundo
os gestores, é que os objectivos
definidos sejam sempre alcançados ou superados.
A ideologia da colaboração reforça o poder
empresarial e atomiza os trabalhadores
Quando confrontado com a questão da
existência, ou não existência de organização sindical na empresa defendeu-se
que a questão nem se colocava e afirmou curiosamente que havia 250 colaboradores
e cada um era um sindicato.Ou seja, a gestão negociava com cada um as condições
de trabalho, o salário e a carreira.
Cedo percebi que de facto esta visita a uma
empresa tecnológica da área da informática era um grande desafio para um bom
debate sindical.Efectivamente este tipo de empresa flexível é o exemplo acabado
do capitalismo flexível que procura de forma paternalista prescindir da
organização sindical e da ação colectiva dos trabalhadores.A ideologia base é a
de que não existem interesses divergentes na empresa, nomeadamente entre os
detentores do capital e os engenheiros
trabalhadores, são todos colaboradores com responsabilidades diferentes.Uma
ideologia que disfarça com eficácia o poder decisivo na hora da verdade de quem
detém o capital, através de um discurso de colaboração e uma hierarquia
informal e horizontal.Nesta linha o sindicato enquanto orgnização autónoma dos
trabalhadores e contra-poder, não é preciso porque pode fazer uma ruptura com
esta «harmonia» fictícia.
A ideologia da colaboração reforça o poder
empresarial, individualiza os trabalhadores e põe os trabalhadores a
autoexplorarem-se com uma sensação de liberdade.
Importante desafio para os sindicatos
Neste« paraíso» que apenas existe em algumas
empresas, tudo vai mais ou menos bem enquanto se cumprirem os objectivos e as
performances, enquanto se produzir e não se tiver depressão e outras doenças
prolongadas;enquanto não fôr necessário despedir, a empresa não mudar de mãos e
passar para outros detentores do capital sem rosto que não conhecem ninguém.
Dadas as suas competências e a actual fase do
mercado os engeneheiros ainda podem mudar de empresa sem perderem salários e
regalias.Mas o futuro a Deus pertence e nem sempre vamos poder ser sindicatos
de nós próprios.
Não posso deixar ,porém , de considerar que
esta situação é um importante desafio para os sindicatos.Como demonstrar na
prática e no discurso a estes trabalhadores que a existência da organização
sindical e a ação colectiva é sempre importante e útil para além das nossas
capacidades individuais.Como formar sindicalmente estes trabalhadores que
desconhecem o abc do sindicalismo e a História do Movimento Operário e
Sindical?Como fazer perceber que os trabalhadores apenas podem fazer progredir
o mundo do trabalho e a justiça social através de uma ação colectiva enquanto
classe, entidade com interesses próprios e autónomos?