segunda-feira, 28 de março de 2022

PODE CADA UM DE NÓS SER UM SINDICATO?

 

Recentemente participei num seminário sobre digitalização da economia e trabalho digno


promovido pela BASE-FUT, Organização históricamente ligada ao mundo do trabalho e do sindicalismo.O programa do seminário incluia uma visita a uma empresa digital cujos 250 engenheiros eram tratados por «colaboradores» e não por trabalhadores e que nos foi apresentada como empresa modelo, excelente para trabalhar,com flexibilidade de horários, onde as relações  laborais eram de tal modo personalizadas que quase não era preciso um quadro legal, nomeadamente a mais recente legislação sobre teletrabalho e a «obrigação a desligar».

Trabalham por objectivos e cada um é considerado nas suas particularidades;se um quer trabalhar mais de manhã e estar com o filho ou filha à tardinha pode fazê-lo;se um quer fazer ginásio ao meio dia dispõe de tempo e equipamento para o efeito.O importante, segundo os  gestores, é que os objectivos definidos sejam sempre alcançados ou superados.

A ideologia da colaboração reforça o poder empresarial e atomiza os trabalhadores

Quando confrontado com a questão da existência, ou não existência de organização sindical na empresa defendeu-se que a questão nem se colocava e afirmou curiosamente que havia 250 colaboradores e cada um era um sindicato.Ou seja, a gestão negociava com cada um as condições de trabalho, o salário e a carreira.

Cedo percebi que de facto esta visita a uma empresa tecnológica da área da informática era um grande desafio para um bom debate sindical.Efectivamente este tipo de empresa flexível é o exemplo acabado do capitalismo flexível que procura de forma paternalista prescindir da organização sindical e da ação colectiva dos trabalhadores.A ideologia base é a de que não existem interesses divergentes na empresa, nomeadamente entre os detentores do capital  e os engenheiros trabalhadores, são todos colaboradores com responsabilidades diferentes.Uma ideologia que disfarça com eficácia o poder decisivo na hora da verdade de quem detém o capital, através de um discurso de colaboração e uma hierarquia informal e horizontal.Nesta linha o sindicato enquanto orgnização autónoma dos trabalhadores e contra-poder, não é preciso porque pode fazer uma ruptura com esta «harmonia» fictícia.

A ideologia da colaboração reforça o poder empresarial, individualiza os trabalhadores e põe os trabalhadores a autoexplorarem-se com uma sensação de liberdade.

Importante desafio para os sindicatos

Neste« paraíso» que apenas existe em algumas empresas, tudo vai mais ou menos bem enquanto se cumprirem os objectivos e as performances, enquanto se produzir e não se tiver depressão e outras doenças prolongadas;enquanto não fôr necessário despedir, a empresa não mudar de mãos e passar para outros detentores do capital sem rosto que não conhecem ninguém.

Dadas as suas competências e a actual fase do mercado os engeneheiros ainda podem mudar de empresa sem perderem salários e regalias.Mas o futuro a Deus pertence e nem sempre vamos poder ser sindicatos de nós próprios.

Não posso deixar ,porém , de considerar que esta situação é um importante desafio para os sindicatos.Como demonstrar na prática e no discurso a estes trabalhadores que a existência da organização sindical e a ação colectiva é sempre importante e útil para além das nossas capacidades individuais.Como formar sindicalmente estes trabalhadores que desconhecem o abc do sindicalismo e a História do Movimento Operário e Sindical?Como fazer perceber que os trabalhadores apenas podem fazer progredir o mundo do trabalho e a justiça social através de uma ação colectiva enquanto classe, entidade com interesses próprios e autónomos?

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