Já em 2008 se colocava esta questão em vários seminários e outros eventos internacionais, nomeadamente no âmbito da OIT. Esta Organização internacional lançou inclusive vários alertas para esta questão sugerindo medidas e apelando às empresas para investirem na promoção da segurança e saúde dos trabalhadores apesar da crise e contra a mesma.
Ora, a questão não é fácil. Se em plena normalidade as empresas não estavam a fazer grandes investimentos neste domínio é obvio que na actual situação de dificuldades, e até de recessão, muito menos vão investir!
As orientações da política económica vão para a redução de pessoal, para a flexibilização do vínculo, para a redução da taxa social e para tudo o que seja embaratecimento dos custos do trabalho. As questões de segurança e saúde no trabalho raramente estão no domínio público e quando muito nos últimos tempos merecem breves referências nas reuniões da concertação social.
A subida astronómica do desemprego nos últimos anos cria um quadro de desvalorização do trabalho e do trabalhador pouco propício ao investimento no mesmo, na óptica do empresário.
Por outro lado a nossa cultura dominante ainda considera «normal» e intrínseco ao trabalho a existência de riscos e sofrimento! Questão complexa esta que tem a ver com as nossas referencias bíblicas (ganhar o pão com o suor do rosto), com estratégias de defesa perante a penosidade e o sofrimento do trabalho, em particular com o sofrimento psíquico.Daí que o assédio, a pressão e a violencia sejam por vezes aceites sem contestação.Isto para alem do medo do despedimento!
O que acabo de referir em traços gerais não apaga o muito que se tem realizado nestas matérias nas últimas décadas, tanto no domínio legislativo como informativo, formativo e de sensibilização dos actores do mundo do trabalho e da opinião pública. A formação de milhares de técnicos de higiene e segurança nos últimos vinte anos é um dos sinais mais positivos a realçar. Em tempo de crise, porém, a tendência é para encolher os investimentos, em particular se os mesmos não são reprodutivos de imediato.
A crise económica e social vem assim reforçar os aspectos mais negativos existentes nas práticas das empresas, ou seja, se tiver que ser cumpriremos a lei, enviamos os papéis, preenchemos os formulários. Mas os investimentos num bom serviço de segurança e saúde ficam adiados. Quando muito procura-se no mercado uma empresa que preste barato o «serviço» de saúde.
A crise económica afecta também a própria administração do Estado que fica sem recursos para investir na fiscalização, informação e formação em saúde e segurança do trabalho. Os orçamentos terão «cortes historicos», particularmente em tudo que tem uma dimensão económico- social.
Pese o quadro geral ser sombrio penso que o Estado poderia, com os Parceiros Sociais, elaborar um plano específico para a promoção da saúde e segurança do trabalho tendo em conta a crise e por causa da mesma.
Cinco medidas apenas que não estão no memorando da troica:
1. Promover as boas práticas no domínio da segurança e saúde dos trabalhadores em todos os serviços do Estado e autarquias. Premiar os serviços públicos que se empenhem na melhoria das condições de trabalho e no bem estar dos seus trabalhadores. Com trabalhadores satisfeitos teremos melhores serviços. Esta questão está prevista na Estratégia Nacional para a Segurança e Saúde no Trabalho.Esta acção será mais produtiva do que enviar os trabalhadores para a mobilidade!
2. Potenciar os serviços da ACT, ultimamente reforçados, para impedir as práticas ilegais de trabalho, nomeadamente o trabalho clandestino, escravo e falsos recibos verdes. Uma inspecção do trabalho atenta e eficaz é sempre importante, particularmente em tempos de crise.Valorizar a inspecção do trabalho!A Autoridade para as Condições de Trabalho e a Direcção Geral de Saúde deveriam implementar este plano de crise em articulação com os planos de acção de cada uma destas instituições e com a participação e dos Parceiros Sociais.
3. Premiar as empresas que invistam em serviços de segurança e saúde no trabalho. Há diversas formas de o fazer sem custos exagerados.Seria uma contrapartida para a descida da taxa social única!
4. Resolver a questão das doenças profissionais no nosso País. A subnotificação e a incapacidade estatística é de tal ordem que ninguém sabe ao certo nada sobre esta questão. Para os médicos portugueses quase que não existem doenças profissionais!Entretanto a depressão cresce....
5. Realizar o Inquérito Nacional às Condições de Trabalho também um dos objectivos emblemáticos da Estratégia Nacional para a Segurança e Saúde no Trabalho. É urgente saber com bases estatística o que se passa no mundo do trabalho de Portugal.
A Autoridade para as Condições do Trabalho e a Direcção Geral de Saúde deveriam implementar este plano de crise em articulação com os seus planos de actividades e com a participação dos Parceiros Sociais.
Lembro que algumas destas questões são crónicas por nunca se resolverem adequadamente. Algumas como as questões das estatísticas dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais já eram objectivos a alcançar em 1977 pelo Ministerio do Trabalho.