(…) As empresas têm cada vez menos trabalhadores estáveis e várias modalidades de contratos (tempo parcial, a prazo) pautados por regras de informalidade, o espaço de precarização mais acentuada. É o melhor dos mundos para as empresas, o pior dos mundos para a classe trabalhadora.
Quando os trabalhadores estáveis param, os precários fazem o trabalho. Nesta lógica, não faz sentido ter fábricas com 20 mil operários. (…) O ideal é ter várias fábricas com 500 trabalhadores espalhados pelo mundo e usar forças de trabalho mais baratas. (…)
Não importa se é belo ou infernal, o trabalho é vital para o trabalhador, para o mundo e p/o capitalismo. É o trabalho que gera a riqueza, não é a máquina. Quando muito, a máquina potencia a riqueza. Se esse trabalho é depauperado e degradado, a base sobre que se ergue a atuação do indivíduo enquanto ser social está comprometida. Quem não tem assegurado no espeço laboral nem um traço de dignidade, nem de certeza, mas só incerteza e risco, nem um traço de longevidade, como poderá exercer cidadania? A tendência é a diluição dos laços do trabalho, e isso afeta os laços que transcendem o trabalho. (…)
Estamos numa fase de lutas sociais globais espontâneas, fase de ocupação das praças das praças públicas. Há um fosso entre a luta social e as representações políticas tradicionais. (…) A nova morfologia do trabalho criou trabalhadores que não têm experiência sindical, como ao que trabalham em call-centres ou no comércio. Hayek e Friedman – os grandes teóricos do liberalismo, diziam no pós-II Guerra que ‘o grande inimigo do capitalismo eram os sindicatos’.
Existe uma insidiosa política de desmantelamento do sindicato de classe. Aceita-se o sindicato parceiro, mas rejeita-se o sindicato combativo. Por outro lado a classe trabalhadora mudou. É mais feminina, jovem, precarizada, contratação de serviços externos a terceiros, mais emigrante. (…) Os sindicatos n/ conseguem responder a estas mudanças de forma rápida. O sindicalismo é vertical e institucionalizado, porque a empresa também era vertical e institucionalizada. Hoje, a empresa estende-se em rede e tem trabalhadores/as estáveis e precários. Os sindicatos vivem um momento difícil, a base mudou profundamente e há uma dura política anti sindical. Podemos ter no séc. XXI um sindicato de cúpula, que defende uma minoria, ou recuperar um sindicalismo de classe e de massa que compreenda a nova morfologia do trabalho.
O sindicato tem de entender a nova morfologia do trabalho para que possa representar o novo modelo da classe trabalhadora. Não houve o fim da classe trabalhadora. Temos é de entender quem é hoje o jornalista, o bancário, o operador de call-centre, o trabalhador….
Excertos de entrevista a Ricardo Antunes, sociólogo e investigador da Universidade de Campinas, Brasil (Público, 2013.09.23, pp.20-21)