Fátima arrasta multidões de todas as partes do mundo, em particular no mês de maio.Muito se
escreveu e ainda escreve sobre o fenómeno religioso que movimenta comerciantes, peregrinos e turistas.Todavia, não existe muita investigação sobre Fátima enquanto fenómeno de religiosidade popular.
A este
propósito lembramos uma intervenção de Paulo Freire numa reunião com militantes
da BASE-FUT alguns meses após o 25 de Abril e que ficou registada na publicação
«Alfabetização e consciencialização»das edições BASE e agora republicada no
livro «Paulo Freire-centenário:um educador no mundo das edições Outro Modo:
Religiosidade popular é problema muito
sério
«PAULO FREIRE-Essa questão religosa popular é
um problema muito sério.De um modo geral,só damos atenção considerando a
religiosidade popular como algo inferior, como uma distorção da nossa própria
forma de religião, e isso é errado.
Agora, por exemplo dez dias atrás, eu estava
no Caribe(Caraíbas) onde a religiosidade popular é extensissima e há uma série
de estudos científicos sobre essa religiosidade.Mas eu trouxe para casa uns
estudos feitos, por exemplo na República Dominicana, onde talvez o indice de
religiosidade popular seja só menor do que no Haiti,mas é profundamente
intenso- e também na Jamaica.E eu li um artigo-estudo feito por um pároco.Conta
um facto que ele não podia compreender, que era exactamente o
seguinte:espalhada no povo há uma crença na existência de um Deus bom, ou um
Deus do bem e um Deus do mal- que é exactamente a dicotomia que existe entre
nós, entre o Deus e o Diabo (o Papa o ano passado disse que que o grande
problema do mundo é o diabo-pro diabo o problema do diabo;diabos são os
pinochets..).
Uma senhora conversando com ele disse que
tinha um menino (ela tinha oito filhos), o marido desempregado,ela tinha tido o
nono filho fazia vinte dias.E disse ao padre, para convencê-lo da existência de
um Deus do bem—não tenho dinheiro para alimentar os filhos e eu pedi ao Deus do
bem que me mandasse naquela noite um homem bom, um homem que paga bem (o marido
sabia disso, mas aceitava essa coisa como trabalho, era um emprego,um meio de
manutenção;os filhos é que não sabiam).Ela disse:depois que eu acabei de
orar,de pedir ao deus do bem que mandasse um homem bom eu fui para a rua.E, de
repente,para um carro com um homem que me chama.Eu entro no carro e ele estava meio embriagado.
Eu contei a ele que havia feito uma oração ao
Deus do bem.E então, disse ela, o homem me teve no carro mesmo e depois me deu
um dólar (na República Dominicana vale um dólar americano dois dólares
dominicanos, é um dinheiro forte).Então o homem deu a ela uma cédula de dez
dólares (portanto cinco dólares americanos) o que é um dinheirão, e depois deu
mais uma cédula de um dólar e disse:«os dez dólares são para ti e um dólar é
para que tu vás de carro para casa».E ela desceu do carro dele, chegou debaixo
do poste de luz,olhou as duas cédulas e o homem tinha-se equivocado no escuro.A
cédula de dez dólares era de cem e a de um era de dez.Então na verdade o homem
deu a ela 110 dólares.Acabando de contar esta história ao padre, perguntou:
existe ou não existe um Deus do bem?Foi o Deius do bem que me fez isso.Me botou
aquele homem bom naquela noite, que me deu 110 dólares e com isso eu não precisei
de faze isso durante mais de um mês, porque tive leite para o filho..
Quer dizer, o equívoco dos cristãos, católicos
ou protestantes, não importa, é pretender lutar contra esta religiosidade, sem
transformar as estruturas sociais que explicam essa religiosidade.
Não adianta chamar a atenção dessa mulher para
a distorção duma autêntica perspectiva cristã, se você,ao mesmo tempo, não
trabalha com ela e não testemunha a ela o seu engajamento no processo
revolucionário de liquidar com o capitalismo.
Eu te confesso, me recuso a fazer isso;quer
dizer, e me sinto com autoridade de ,se conversasse com uma mulher dessas,
respeitando a sua fé,discutir a minha fé com ela, porque,ao mesmo tempo, eu
dizia:agora vamos discutir a nossa fé do ponto de vista político.Onde é que a
minha fé em Cristo me leva?A minha fé em Cristo me leva à revolução e não a
reformas.A minha fé em Cristo me leva a um processo revolucionário e não às
missas dominicais, apenas.Então eu me sinto com autoridade de falar.
Vocês, pelo amor de Deus, não se metam a fazer
críticas à religiosidade popular se,ao mesmo tempo,não estão engajados no
processo de justicialização do mundo,porque senão não tem nenhum sentido.
A expressão da religiosidade popular está
eminentemente vinculada com as estruturas de dominação.E o que acontece é o
seguinte:é nessas áreas de dominação que essa expressão popular da
religiosidade se apresenta com formas misturadas com o catolicismo ou com o
protestantismo, mas buscando uma autenticidade da classe dominada, é a prova
precisa da falha da Igreja, é que as classes dominadas já não encontram na
Igreja o testemunho de autenticidade cristã e então se afogam noutro tipo de
religiosdade que para elas é excatamente o escape.
Na Jamaica há uma religiosidade, uma religião
popular que tem uma força hoje tão grande na ilha, no país, que o actual
primeiro ministro se elegeu politicamente , exactamente baseado na religião
popular.E essa religião popular da jamaica tem uma força fantástica na área
popular da Jamaica...»