terça-feira, 10 de outubro de 2023

VINDIMAS! A Ermelinda vai deitando contas à vida!

 

Da minha janela vejo a Ermelinda ainda de madrugada a correr pelo caminho do


tanque.Leva nos braços cansados o seu bebé que vai deixar na casa da vizinha e abalar para mais um dia de trabalho.Que bebé tão caladinho, não chora, agora arrancado do berço,ainda vai dormindo.

Há mais de um mês que a Ermelinda vai para as vindimas em S.João da Pesqueira.Ela pensa mais uma vez em fazer mil euros nesta época, uma ajuda preciosa para, com o abono do seu menino, enfrentar da melhor maneira o inverno que não está longe.Um mês interminável de calor e chuva, com o rosto curtido pelo sol abrasador, os pulsos a doerem da tesoura e as costas num calvário que nem a cama acalma.Milhares de videiras estão prontas para que lhe cortem os cachos pelas encostas ingremes e cascalhentas, os dias seguindo-se uns a seguir aos outros, intercalados por noites agora mais frescas e longas.

Corre Ermelinda que a carrinha do empreiteiro já estacionou no largo da Igreja e espera pelo grupo de trabalhadores para seguir viagem.Tens tempo de fazer contas à vida quando acabarem as vindimas e receberes os euros tão desejados das mãos do empreiteiro.Este pelo menos não te vigariza ,paga a segurança social e o seguro.Uma mulher sozinha e com um filho nos braços é fácil de enganar, quanto mais fracos sómos mais enganados e humilhados.Foste enganada para toda a vida quando o pai do teu menino abalou para o estrangeiro sem dizer água vai nem água vem.

Corre Ermelinda, corre! A carrinha do empreiteiro corre agora veloz pelas estradas serpenteadas do Douro enquanto a madrugada difusa dá lugar ao sol radioso que nasce de Espanha.São dez ao todo os que se amontoam na carrinha com os sacos e marmitas com as buchas do dia, esperando que o vinho não falte para empurrar a comida feita na véspera.O silencio impera, apenas se ouve o ruído do motor e do chassis protestando pela curvas de carrocel.Alguns ainda saboreiam os últimos bocados de sono,deixando embalar os corpos castigados.As quintas vinhateiras de patrões sem rosto e os barcos turisticos emergem serenos da neblina matinal.A Ermelinda vai deitando contas á vida e pensa no seu menino que ficou lá longe e só o verá á noite.Ai vida, vida!Ai Douro, Douro!

 

Dedicado a todas as mulheres trabalhadoras do Douro