sexta-feira, 30 de outubro de 2020

TRABALHADORES DOS CALL CENTERS NÂO SÂO DESCARTÁVEIS, POIS NÂO?

 Os trabalhadores de callcenters e de outros locais de trabalho semelhantes (serviços partilhados) estão a aumentar, tornando-se actualmente num negócio chorudo para alguns empresários nacionais e internacionais. São pessoas sujeitas a condições de trabalho que alguns investigadores sociais comparam aos operários industriais fordistas.

Intensificação do trabalho, controlo rigoroso do mesmo pela supervisão, falta de autonomia mínima para gerir o trabalho, carga mental e física excessivas e, por vezes, trabalho em horas atípicas.Isto sem falar de outros riscos para a saúde como o ruído e os postos de trabalho doentios porque não obedecem ás normas ergonómicas, tendo como consequência diversos problemas lombares e dos membros superiores.

Os relatos de vários trabalhadores, nomeadamente de activistas sindicais, e os inquéritos de vários estudos revelam como consequência em muitos destes trabalhadores o stresse e fadiga, ansiedade e diversas perturbações psicológicas.A falta de humanidade em alguns locais de trabalho demonstra que algumas empresas consideram estes trabalhadores descartáveis, meros recursos para fazer negócios rápidos.

O COVID 19 veio agravar as condições de trabalho

A pandemia Covid19 veio agravar a  situação destes trabalhadores dado que em muitos locais de trabalho existiam e existem condições ideais para a propagação do virus e as empresas, que pouco investiam na promoção de condições de trabalho, tiveram que enfrentar as reivindicações dos trabalhadores de melhoria das condições de saúde e de prevenção ou, em alternativa, a de passarem ao teletrabalho.

Tanto sob ponto de vista ético como legal as reivindicações dos trabalhadores são justas e são contempladas em parte pelas medidas, entretanto, estabelecidas para combater a pandemia.Um direito constitucional fundamental é a obrigação de defender a nossa vida e a dos outros.Por outro lado, a legislação laboral obriga o empregador a tomar as medidas necessárias e adequadas para preservar e promover a saúde dos trabalhadores.

Neste sentido as empresas de call centers não deveriam «dormir na forma» em tempo de pandemia .Deveriam estar a melhorar os locais de trabalho, nomeadamente quanto aos postos de trabalho com um distanciamento mínimo de 15m2, ventilação e iluminação adequadas e preparar outras medidas organizativas não apenas para prevenir o Covid mas para promover a saúde dos trabalhadores.

Medidas de organização do trabalho para promover a saúde dos trabalhadores

Claro que as medidas de organização do trabalho são as mais difíceis de aceitar pelas empresas.Gestores e chefias não gostam que os sindicalistas entrem neste campo que consideram exclusivamente deles.Mas não é!É aqui que se faz em particular a intensificação e  sobreexploração do trabalho.É aqui que os sindicatos mais terão que centrar as suas reivindicações.Mas as empresas podem também beneficiar com medidas adequadas de promoção da saúde dos trabalhadores, nomeadamente diminuição do absentismo e aumento da satisfação no trabalho.Vejamos algumas ao nível da organização do trabalho:

1.Definir objectivos realistas adequando a capacidade de trabalho á capacidade de resposta.O excesso de solicitações sem os meios para lhe responder é uma das principais fontes de stresse.

2.Prever pausas no trabalho e locais para essas pausas.Não basta parar, é importante ter uma pausa que permita algum corte com o  trabalho e descanso mental.

3.Permitir autonomia ao operador dando-lhe a possibilidade de participar na organização do seu trabalho, nomeadamente adaptando as eventuais respostas a dar aos clientes.

4.Evitar a monotonia alternando tarefas menos exigentes com  a actividade de atendimento.

5.Permitir  a entreajuda e cooperação entre os companheiros de trabalho, nomeadamente nas chamadas mais complexas.Trabalho em equipa e debate sobre práticas profissionais ou sobre o próprio trabalho.

6.Informar os trabalhadores e seus representantes sobre as mudanças organizacionais  a realizar nos postos e ambiente de trabalho, bem como sobre os sintomas de stresse e exaustão.

7.Formar os trabalhadores sobre uma boa gestão das chamadas e sobre a utilização do equipamento de trabalho.

8.Efectuar periodicamente uma avaliação de riscos com a participação dos trabalhadores e seus representantes.

9.Elaborar plano de promoção da segurança e saúde da empresa com a participação dos trabalhadores e seus representantes.

10.Avaliação periódica da concretização do plano e fazer revisões e melhorias.

 

Há ainda a considerar em termos sindicais que estes trabalhadores deveriam trabalhar entre 25 a 30 horas semanais para diminuir e prevenir o desgaste físico e mental, ter um estatuto profissional próprio elaborado com a participação das organizações dos trabalhadores.O seu reforço sindical é fundamental para que possam ser parte activa na negociação das suas condições de trabalho.

Finalmente os sindicatos europeus deveriam exigir quanto antes a revisão e a melhoria da legislação europeia sobre o trabalho com ecrãs de visualização (1) que se pode aplicar aos trabalhadores de call centers e outros.Essa legislação deveria incluir outras medidas que salvaguardem a segurança e saúde de todos os trabalhadores que trabalham em postos de trabalho semelhantes.Fundamental seria também uma Directiva sobre a prevenção das lesões músculo-esqueléticas no trabalho a que o patronato europeu se tem tenazmente oposto.

(1).Directiva 90/270/CEE sobre prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho respeitantes ao trabalho com equipamentos dotados de visor.Decreto-Lei nº349/93 de 1 de outubro;Portaria nº 989/93 de 6 de outubro;Lei nº 113/99 de 3 de agosto.

 

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

PANDEMIA: novos riscos para os trabalhadores!

 

O actual quadro de pandemia coloca novos riscos ás condições de trabalho e de saúde dos
trabalhadores.Para além da perda de rendimento, erosão da negociação colectiva e das dificuldades acrescidas  dos sindicatos vamos ter o aproveitamento que o mundo dos negócios faz da pandemia e da crise económica para acentuar a exploração através de exigências como as que fez recentemente o patrão alemão das indústrias metalomecanicas e metalúrgicas.Trabalhar mais horas e não pagar o subsídio de Natal.

Claro que estas ideias aparecem a poucos dias de uma fase de negociação colectiva em dezembro e quando já tinham sido aprovadas as 28 horas semanais para o sector.No site do Sindicato IG Metall não se faz referencia a estas exigências patronais.Fala-se sim do debate que se inicia nas fábricas sobre as próximas negociações e onde as organizações de trabalhadores têm uma palavra importante.

Mas quando os alemães falam outros se seguem normalmente.O patronato europeu prepara, entretanto, a sua ofensiva no quadro da pandemia e num momento de grandes constrangimentos da ação sindical europeia e nacional.Os primeiros dados apontam para algo inaceitável.As grandes fortunas aumentaram com a pandemia, ou seja, a riqueza acelera a sua concentração nas mãos dos mais ricos.

Neste quadro torna-se preocupante a fractura que já existe entre os trabalhadores europeus no que respeita á proteção da sua saúde.O sindicato IG Metall dá conta desta situação ao referir que em muitas fábricas existem trabalhadores que não aceitam as medidas de proteção anti-covid19 e acreditam em boatos que começam a circular em profusão como a de que a pandemia seria uma invenção dos judeus ou dos chineses para destruir a economia.Este sentimento já se expressa nas ruas de algumas cidades europeias e é grave que nas empresas cresça a ideia hostil à proteção da saúde.

Mais grave ainda pode ser esta ideia na medida em que são os trabalhadores de alguns sectores como a saúde, agricultura, limpeza e hotelaria que podem negligenciar a proteção pressionados pelos seus patrões  e, em especial, pela precariedade e pobreza em que vivem.

Há indícios claros de que vamos ter que nos mobilizar para o combate a novos riscos para os trabalhadores no quadro da pandemia.Para além dos ataques aos rendimentos dos trabalhadores vamos ter os ataques à sua saúde, nomeadamente com a desvalorização das medidas de combate e promoção da segurança e saúde no trabalho onde a vacina irá por certo ter o seu lugar.Mas também aqui certamente as opiniões se irão dividir entre os que são pró e os que são contra.

Para esta situação os sindicalistas e os representantes dos trabalhadores para a segurança e saúde vão ter que se preparar ao nível formativo e informativo.A desvalorização da saúde dos trabalhadores é principalmente prejudicial a estes mas também ás próprias empresas, ao ambiente social e á produtuvidade.

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

PANDEMIA, AÇÃO SINDICAL E SAÚDE PÚBLICA!

 

É para todos evidente que são grandes as limitações à actividade sindical derivadas da actual pandemia


do COVID 19.O sindicalismo exige uma ação de proximidade militante, de reunião presencial, de afirmação no espaço público, não se podendo limitar ao virtual.

Esta pandemia acentua a debilidade organizativa e associativa que já existia e acentua as relações individualizadas, fragmentadas e o isolamento dos trabalhadores.Os sindicatos e associações correm o risco de conservarem a cabeça e perderem o corpo, ou seja,perderem  as suas bases trabalhadoras e associativas.

Neste quadro os sindicatos e outras organizações de trabalhadores vão ser obrigados a investir  na defesa da saúde dos seus associados, dirigentes e de outros trabalhadores.Vão ter que investir meios financeiros em diversas actividades e consumíveis em apoio directo à ação sindical, tais como a compra de material de prevenção e higienização como luvas e gel para os activistas e trabalhadores sindicais, limpeza mais frequente das instalações do trabalho sindical e de atendimento ao público, aluguer de salas mais amplas para manter o distanciamento em determinadas ações de formação.

Ora, nem todos os sindicatos, como organizações não lucrativas, estão em posição financeira para suportar novos encargos  por longos meses ou anos.Sabemos que alguns já não conseguem satisfazer os seus compromissos elementares e as perspectivas de sindicalização podem ainda ser mais reduzidas.

Segundo declarações recentes da Comissão Europeia o novo quadro europeu de segurança e saúde dos trabalhadores vai ter em conta esta realidade da pandemia, nomeadamente no que respeita a fundos europeus previstos para enfrentar a mesma.Poderão estar aqui algumas portas abertas para que ao nível do diálogo social se possam definir quadros de apoio financeiro para estas novas exigências sanitárias impostas pelo COVID 19.É uma questão de saúde pública!

Aliás, seria importante que se abrissem linhas de apoio financeiro à ação associativa e cooperativa e ,em geral, a toda a economia social.A vida associativa está a sofrer um pesado revés com esta pandemia e, como tal, está afectada a participação cidadã e a democracia.

Mas como já existe uma luta tremenda pelos apoios comunitários que irão chegar corremos o risco dos mesmos se aplicarem em projectos empresariais e dos lobis com influência política do bloco central.O movimento sindical e associativo português terá que estar atento para que, por um lado os apoios não sejam apenas canalizados para as grandes empresas dos serviços, indústria e agricultura e, por outro, para que os projectos de cidadania, de promoção do emprego de qualidade e de combate á pobreza tenham prioridade.


quarta-feira, 14 de outubro de 2020

FRATELLI TUTTI : um texto anticapitalista e solidário

 

A recente carta encíclica do Papa Francisco é um assinalável contributo para a reflexão sobre a actual


situação do mundo e os caminhos a seguir para que nos possamos salvar como humanidade e como planeta.

Não faltam felizmente neste momento em todo o mundo diversas reflexões sobre o texto do actual Papa ,um dos mais odiados pela direita católica e pelos empedernidos conservadores da própria Igreja.Saliento apenas alguns aspectos que me parecem pessoalmente mais estimulantes.

Em primeiro lugar saliento a estrutura do texto e a linguagem.Impera a simplicidade das ideias e das palavras sem lhe retirar profundidade.Parece que o Papa está a falar connosco numa roda de amigos.Utiliza  expressões, parábolas e palavras de todos os dias, compreensíveis pelos católicos e não católicos da aldeia mais remota do mundo.É a linguagem de quem tem uma larga experiência pastoral nos territórios do sofrimento e da opressão.É uma linguagem próxima dos movimentos populares, dos que não têm terra nem teto.Uma linguagem encarnada, realista.Com este texto Francisco reabilita a Teologia da Libertação.

 É  clarificado o conceito de perdão cristão , tantas vezes redicularizado.Contra a opressão e na luta pela nossa dignidade o cristão não dará a outra face.Antes pelo contrário,há que lutar contra o opressor que nos retira a nossa dignidade .Há que retirar  ao próprio opressor os meios de opressão.

Em segundo lugar destaco a estratégia do texto.É uma visão a partir das periferias, dos pobres e dos mais frágeis.Nessa estratégia a célebre parábola do samaritano tem um lugar central.É uma critica ás actuais sociedades de consumo , ao comportamento narcisista e da indiferença, aos que olham apenas para o sucesso, para o seu corpo e bem estar pessoal.

Mas é também uma crítica para dentro da pópria Igreja, uma autocrítica  porque salienta que os que passaram indiferentes perante o estropiado e assaltado eram religiosos e nada fizeram, enquanto que o samaritano,um laico excluido e estrangeiro teve compaixão.Algo que tanto falta nas actuais sociedades competitivas do ultra capitalismo.

Este texto de Francisco é, de facto, um texto anticapitalista, de esperança e solidário.Não propõe qualquer modelo de sociedade;não propõe o socialismo nem qualquer outro sistema.Propõe sim a fraternidade e a amizade social,uma conversão, tanto a católicos como a agnósticos e ateus.Há que mudar de vida , de economia, de relacionamento com a natureza, com a guerra e  a paz.Temos que cooperar e ver o mundo com outros olhos, precisamente a partir dos mais pobres e dos que estão fora do sistema.O que nos salva é a compaixão e o amor e não a indiferença.Urge uma outra relação não predadora com a natureza.Tal caminho dará futuro ás nossa sociedades e futuras gerações.O actual onde temos estado não tem futuro.