«Não é apenas o número indigno de desempregados. Não é
apenas lançar números sobre os falsos recibos verdes e sobre a precariedade. Do
que se trata é de dar conta desses números, mas denunciar, a partir deles, que
há um novo paradigma nas relações laborais. Trata-se de denunciar que a
fragilidade angustiante e comprometedora de uma vida digna e de perspetivas de
futuro não resultam de um acaso, mas de uma vontade política de alterar
violentamente o que deve ser um trabalhador.
As ditas políticas de criação de emprego mais não são do
que a elevação do Estado ao maior impulsionador da precariedade. O Estado
promove, incentiva e aproveita-se da destruição da segurança no emprego. É um
Estado exemplar. Vejamos: Um desempregado que esteja a receber o Subsidio de Desemprego
é obrigado a aceitar um CEI – contrato de emprego e inserção -, mas este não
garante a sua empregabilidade e, no caso de entidades públicas, essa
empregabilidade é mesmo impossível.
Durante o CEI, o
desempregado tem apenas 4 horas por mês para procurar emprego, o que significa
que assinar um CEI, obrigatório para não perder o Subsidio de Desemprego,
significa muitas vezes acabar com a possibilidade de procura ativa de emprego,
e gastando muitas vezes os últimos meses de subsidio de desemprego a trabalhar
para quem não o vai empregar e não podendo, portanto, procurar uma solução real
para a sua situação de desemprego e futura situação de perda total de
rendimentos. Um desempregado com um contrato de CEI, que esgote o seu tempo de
subsídio de desemprego antes do findo do CEI, vê o dito automaticamente
terminado. Sem que tenha direito a prolongamento do Subsidio de Desemprego
durante o tempo de execução do CEI, para que continue a fazer o suposto
Trabalho Socialmente Necessário. Os dois pontos anteriores também se repetem
para beneficiários do RSI. Um beneficiário do RSI ao abrigo do CEI recebe por
mês 419,22€ (1 IAS), sendo que a entidade contratante paga apenas 10% deste
valor caso seja uma IPSS e 20% se for uma entidade pública, sendo o restante pagamento
assegurado pelo IEFP.
O Estado está a
protocolar com IPSS''s vários serviços sociais nas áreas da educação, segurança
social e saúde, não garantido muitas vezes a transferências das
responsabilidades dos trabalhadores dos equipamentos cuja gestão é protocolada,
e permitindo depois que estas instituições possam substituir estes
trabalhadores do Estado por CEI+, que custam as IPSS uns míseros 42 € por mês,
menos de 1 décimo do Salário Mínimo Nacional, enquanto os funcionários públicos
que trabalhavam neste equipamentos passam a ser chamados excedentários e
requalificáveis.
Estas decisões do Governo são Dumping Social. Já não bastava o
batalhão de mais de 1 milhão de empregados precários cujos direitos laborais
não são assegurados na totalidade e eis que o Governo PSD/CDS cria um escalão
de trabalhadores sem direitos laborais - os CEI - trabalhadores obrigados a
aceitar um trabalho com desemprego garantido no fim e muitas vezes já sem
direito a Subsidio de Desemprego, sem direito a férias, e principalmente sem
condições reais para procurarem alternativa ou frequentarem ações de formação
profissional.
Política de austeridade é ideológica!
A política obstinada da austeridade expansionista é uma
decisão ideológica e não funcionou. Temos cerca de 1,5 milhões de precários, o
que significa que 1/3 dos empregados são precários. Se aos precários se somar o
desemprego real temos 2,5 milhões de portugueses que querem um emprego, um
trabalho digno, ou, melhor, que cerca de metade da população ativa portuguesa
não tem um emprego digno. Quando o Governo flexibiliza as leis laborais
defendendo que esse caminho cria emprego – viu-se -, quando o Governo anuncia
que falta reduzir o valor do fator trabalho e quando o Governo quer anular da
Constituição o conceito elementar de justa causa como pressuposto do despedimento,
o cenário descrito não é apenas fruto de uma crise económica internacional. O
cenário descrito é o cenário ideológico de quem trouxe uma novidade monstruosa
ao mundo laboral: a precariedade como decisão. É um Estado exemplar.» ( artigo
não assinado publicado no Expresso online de 30 de maio de 2015))
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