segunda-feira, 18 de setembro de 2017

CATÓLICOS E SINDICATOS!





A relação da Igreja Católica com o mundo do trabalho e em particular com o movimento operário foi quase sempre conflitual e de grande desconfiança mútua! Apesar desta relação difícil os católicos de alguns países, incluindo membros do clero, empenharam-se seriamente no mundo do trabalho a partir da encíclica «Rerum Novarum» de Leão XIII. Conseguiram inclusive em países como a Bélgica, Luxemburgo, Áustria e Holanda construir sindicatos com larga representatividade. Tiveram e ainda têm hoje, uma influência significativa no desenvolvimento social dos seus povos.



Em Portugal a relação da Igreja com os sindicatos foi particularmente difícil por várias razões.Em primeiro lugar porque Portugal foi dos países que mais cedo implantou a República laica, anticlerical e liberal e, em segundo lugar, porque a Igreja esteve sempre em conflito aberto com as ideias socialistas e anarquistas que animaram as primeiras décadas da acção dos sindicatos. Depois porque os católicos sociais eram antes de tudo o mais anti-republicanos e anti-socliaistas e, nos sindicatos e no meio dos militantes progressistas, era grande o ódio ao jesuitismo.
A experiência dos círculos católicos operários, que morreu praticamente com a implantação da República, não pode ser considerada uma experiência sindical pois era uma organização social que aglutinava padres, patrões e trabalhadores! Durante a República foi impossível na prática a militância católica no movimento sindical. As posições estavam extremadas e o catolicismo português não tinha condições objectivas nem subjetivas para lançar pontes com as organizações de trabalhadores! Isto não significa que não houvesse um sector de católicos preocupados com a chamada «questão social» e com a necessidade da Igreja se adaptar ao novo regime republicano.
 Existiam sectores com essas preocupações. Todavia, os tempos foram muito duros encerrando mesmo uma das publicações que tinham alguma abertura para o novo regime, a Voz de Santo António, que acabou no ano da implantação da República e seguia as directrizes de Leão XIII e que se opunha à maioria da imprensa católica que era nacionalista e reaccionária também sob ponto de vista social. Porém, no contexto da época, não era fácil um militante sindical confessar-se católico e vice-versa, ou seja, um católico adotar a ideologia e a tática do sindicalismo revolucionário.

Com a ditadura

Com a ditadura de 1926 e a instauração do fascismo salazarista o sindicalismo livre acabou em Portugal com a perseguição e prisão de centenas de militantes sindicais primeiro e, posteriormente, já no início da década de 30, com a construção do estado corporativo onde os sindicatos nacionais eram um dos pilares. Foi precisamente no crepúsculo do sindicalismo livre que um grupo de católicos, inspirados pelo sindicalismo belga, tentou efectivamente organizar uma alternativa sindical numa região do interior com o principal foco na região da Covilhã. O poder de Salazar, porém, já se tinha consolidado e cortou logo pelas raízes esta veleidade dos católicos sociais portugueses.

Em 1933/34 com a organização da Ação Católica os militantes católicos tentaram entrar para os sindicatos nacionais com o projecto de «cristianizar» estas organizações. Mas a aliança estratégica do regime com a Igreja Católica remetia claramente a Ação Católica para uma vida social caritativa e espiritual no sentido tradicionalista. O Padre Abel Varzim tentou dar conteúdo social e reivindicativo à acção dos católicos em torno do jornal «O Trabalhador» mas foi rapidamente silenciado por Salazar e pela hierarquia eclesiástica que o exilou cá dentro! 

Desilusão e frustração

A desilusão e frustração apoderou-se de muita gente que partilhava as agruras da classe trabalhadora e que, para além da ditadura, ainda tinha as grandes limitações da Hierarquia da Igreja Católica. O ditador Salazar, um católico hipócrita, tinha claramente marcado os limites da Ação Católica e não aceitava que esta tomasse qualquer posição laboral e muito menos reivindicativa. Tal tarefa, dizia, era para os sindicatos nacionais governados por pessoas de confiança do regime! O Patriarca Cerejeira e os restantes Bispos sabiam disto tudo e aceitaram este pacto em troco das regalias oferecidas pela Concordata!

Toda esta história marcou profundamente a percepção, a memória e a cultura dos católicos portugueses e a sua relação com o mundo do trabalho e com o sindicalismo. No entanto, na década de 60 do século passado um grupo de católicos e de padres dos movimentos operários católicos tomou consciência das limitações do regime e da posição conivente da Igreja e muda de estratégia. A sua luta tinha que ser dupla: contra a ditadura e a contragosto da hierarquia e a maioria dos católicos! Alguns anos antes o famoso Bispo do Porto já tinha denunciado a ditadura e a situação das classes trabalhadoras portuguesas. Isolado, e sem a solidariedade dos seus pares, foi exilado! Brevemente voltaremos a este tema.

Nota: sobre estas matérias já existe alguma investigação e memórias com particular destaque para Maria Inácia Rezola, José Barreto e Fernando Abreu.

Sem comentários: