A relação
da Igreja Católica com o mundo do trabalho e em particular com o movimento
operário foi quase sempre conflitual e de grande desconfiança mútua! Apesar
desta relação difícil os católicos de alguns países, incluindo membros do
clero, empenharam-se seriamente no mundo do trabalho a partir da encíclica
«Rerum Novarum» de Leão XIII. Conseguiram inclusive em países como a Bélgica,
Luxemburgo, Áustria e Holanda construir sindicatos com larga
representatividade. Tiveram e ainda têm hoje, uma influência significativa no
desenvolvimento social dos seus povos.
Em Portugal
a relação da Igreja com os sindicatos foi particularmente difícil por várias
razões.Em primeiro lugar porque Portugal foi dos países que mais cedo implantou
a República laica, anticlerical e liberal e, em segundo lugar, porque a Igreja
esteve sempre em conflito aberto com as ideias socialistas e anarquistas que
animaram as primeiras décadas da acção dos sindicatos. Depois porque os
católicos sociais eram antes de tudo o mais anti-republicanos e
anti-socliaistas e, nos sindicatos e no meio dos militantes progressistas, era
grande o ódio ao jesuitismo.
A
experiência dos círculos católicos operários, que morreu praticamente com a
implantação da República, não pode ser considerada uma experiência sindical
pois era uma organização social que aglutinava padres, patrões e trabalhadores!
Durante a República foi impossível na prática a militância católica no
movimento sindical. As posições estavam extremadas e o catolicismo português
não tinha condições objectivas nem subjetivas para lançar pontes com as
organizações de trabalhadores! Isto não significa que não houvesse um sector de
católicos preocupados com a chamada «questão social» e com a necessidade da
Igreja se adaptar ao novo regime republicano.
Existiam sectores com essas preocupações. Todavia,
os tempos foram muito duros encerrando mesmo uma das publicações que
tinham alguma abertura para o novo regime, a Voz de Santo António, que acabou
no ano da implantação da República e seguia as directrizes de Leão XIII e que se opunha à maioria da imprensa católica que era nacionalista e reaccionária também
sob ponto de vista social. Porém, no contexto da época, não era fácil um
militante sindical confessar-se católico e vice-versa, ou seja, um católico
adotar a ideologia e a tática do sindicalismo revolucionário.
Com a ditadura
Com a
ditadura de 1926 e a instauração do fascismo salazarista o sindicalismo livre acabou
em Portugal com a perseguição e prisão de centenas de militantes sindicais
primeiro e, posteriormente, já no início da década de 30, com a construção do
estado corporativo onde os sindicatos nacionais eram um dos pilares. Foi
precisamente no crepúsculo do sindicalismo livre que um grupo de católicos,
inspirados pelo sindicalismo belga, tentou efectivamente organizar uma
alternativa sindical numa região do interior com o principal foco na região da
Covilhã. O poder de Salazar, porém, já se tinha consolidado e cortou logo pelas
raízes esta veleidade dos católicos sociais portugueses.
Em 1933/34
com a organização da Ação Católica os militantes católicos tentaram entrar para
os sindicatos nacionais com o projecto de «cristianizar» estas organizações. Mas
a aliança estratégica do regime com a Igreja Católica remetia claramente a Ação
Católica para uma vida social caritativa e espiritual no sentido
tradicionalista. O Padre Abel Varzim tentou dar conteúdo social e
reivindicativo à acção dos católicos em torno do jornal «O Trabalhador» mas foi
rapidamente silenciado por Salazar e pela hierarquia eclesiástica que o exilou
cá dentro!
Desilusão e frustração
A desilusão e frustração apoderou-se de muita gente que partilhava
as agruras da classe trabalhadora e que, para além da ditadura, ainda tinha as
grandes limitações da Hierarquia da Igreja Católica. O ditador Salazar, um
católico hipócrita, tinha claramente marcado os limites da Ação Católica e não
aceitava que esta tomasse qualquer posição laboral e muito menos
reivindicativa. Tal tarefa, dizia, era para os sindicatos nacionais governados
por pessoas de confiança do regime! O Patriarca Cerejeira e os restantes Bispos
sabiam disto tudo e aceitaram este pacto em troco das regalias oferecidas pela
Concordata!
Toda esta
história marcou profundamente a percepção, a memória e a cultura dos católicos
portugueses e a sua relação com o mundo do trabalho e com o sindicalismo. No
entanto, na década de 60 do século passado um grupo de católicos e de padres dos movimentos operários católicos
tomou consciência das limitações do regime e da posição conivente da Igreja e
muda de estratégia. A sua luta tinha que ser dupla: contra a ditadura e a
contragosto da hierarquia e a maioria dos católicos! Alguns anos antes o famoso
Bispo do Porto já tinha denunciado a ditadura e a situação das classes
trabalhadoras portuguesas. Isolado, e sem a solidariedade dos seus pares, foi exilado! Brevemente
voltaremos a este tema.
Nota: sobre
estas matérias já existe alguma investigação e memórias com particular destaque
para Maria Inácia Rezola, José Barreto e Fernando Abreu.
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