Ao relermos a encíclica CENTESIMUS ANNUS do Papa João Paulo II deparamos com uma afirmação ou reafirmação importante num momento como o actual. «… a sociedade e o Estado devem assegurar níveis salariais adequados ao sustento do trabalhador e da sua família, inclusive com uma certa margem de poupança. Isto exige esforços para dar aos trabalhadores conhecimentos e comportamentos melhores, capazes de tornar o seu trabalho mais qualificado e produtivo; mas requer também uma vigilância assídua e adequadas medidas legislativas para truncar fenómenos vergonhosos de desfrutamento, com prejuízo sobretudo dos trabalhadores mais débeis, imigrantes ou marginalizados. Decisiva, neste sector, é a função dos sindicatos, que ajustam os mínimos salariais e as condições de trabalho.»
Uma forma delicada de denunciar a rapina global de alguns para a miséria de muitos num sistema cuja lógica é essa mesma!
De facto, hoje mais do que nunca é necessário exigir um salário justo como condição básica de justiça social, de distribuição da riqueza produzida pelo trabalho! Um salário justo, neste contexto económico, é aquele que permite a vida digna do trabalhador e da sua família! Um salário que permita não apenas a sobrevivência mas também a cultura, educação e lazer! E, acrescenta ainda a «Centesimus annus», uma certa poupança! Ao encontro desta exigência reafirmada constantemente pela tradição cristã veio a Constituição Portuguesa de Abril ao afirmar entre os direitos dos trabalhadores a retribuição do trabalho, segundo quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna.
No seguimento deste imperativo constitucional o Código do Trabalho estipula que um dos deveres do patrão é pagar pontualmente a retribuição que deve ser justa e adequada ao trabalho, sendo-lhe proibido diminuir essa mesma retribuição, salvo nos casos, raros, previstos na lei.
Numa altura em que na maioria dos Estados membros da União, nomeadamente em Portugal, os trabalhadores tiveram grandes perdas salariais é importante colocar na ordem do dia a exigência de um salário justo e igual para trabalho igual! Assim, a oposição ao aumento do salário mínimo, que em Portugal ainda não é suficiente para uma existência digna, é imoral e vai ao arrepio da Constituição.
Mas a reflexão do Papa vai mais longe quando diz que o Estado deve estar atento para contrariar fenómenos de desfrute vergonhosos com prejuízo dos trabalhadores mais débeis!A palavra desfrute é realmente muito delicada para os atos de apropriação indevida, verdadeiros roubos, daquilo que pertence à sobrevivência de muitos!
É o que acontece actualmente em várias partes do mundo, inclusive no nosso País! Os Estados, prisioneiros do poder económico, não estão a contrariar suficientemente os fenómenos de concentração da riqueza e de aprofundamento das desigualdades. Pelo contrário, o Estado ao limitar os mecanismos da contratação colectiva e o normal funcionamento das portarias de extensão impede os sindicatos de exercerem as suas funções de negociação justa e equilibrada, nomeadamente no domínio salarial como diz a Centesimus Annus.
Ao não banirmos os ofshores e outros mecanismos de desvio financeiro criamos as condições para tais «desfrutes vergonhosos».Por outro lado, os trabalhadores que não se sindicalizam ou que abandonam os sindicatos estão a contribuir para o seu empobrecimento e para a concentração da riqueza nas mãos de poucos. Os países mais desiguais são países onde o poder efetivo dos trabalhadores é diminuto!
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