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domingo, 17 de abril de 2011
O ANANIAS!
O Ananias trabalhou tanto!Quantos quilómetros calcorreou nos socalcos do Douro!?Quantos cestos de uvas de 70Kg transportou ao longo da sua vida!
Desde pequeno que me habituei ao Ananias vizinho e visitante assíduo da minha casa.Era um homem feio e alguns chamavam-lhe o zarolho por ter um olho esquerdo parado e vítreo.
Quando à noite, depois da ceia,batia à nossa porta eu sentia algum alvoroço!O Ananias a contar as histórias dele com aquele olho parado, à luz da candeia de petróleo, metia respeito e algum medo.
Nas vindimas chegava ao lagar com cestos de uvas pesadíssimos e com a camisa ensopada de suor.Depois de descarregar com um único impulso o pesadíssimo cesto, olhava fixo para mim com o seu olho meio parado e um sorriso sem idade!
O lagar estava num recanto escuro do armazém e naqueles momentos ficava frente a frente com o velho Ananias.Não me parecia bem um homem apesar da sua indigente aparência, mas muito mais um personagem dos que povoavam as histórias da minha tia nas noites de inverno.
O olho parado , agora mais do que nunca,ganhava vida de repente quando me pedia o copo para ir ao pipo do vinho.A dose tinha que ser ponderada para que terminasse o dia de vindima sem tropeçar nos caminhos íngremes das vinhas!Depois de descansar alguns minutos regressava para transportar mais cestos...e assim até ao fim do dia!
De certo modo o Ananias era um dos meus heróis.Tinha vivido histórias do arco da velha!Era capaz de passar pelo cemitério na noite anterior e revelar com toda a calma e enquanto enrolava um cigarro «mata-ratos»,que tinha visto o demónio e alguma luzes.O meu pai ficava a olhar para ele sem mostrar que acreditava ou não na história!Mas, bolas, para mim o diabo do velho era mesmo um valentão!Eu, a passar pelo cemitério, até de dia ia sempre a olhar para o meu rasto!
Tinha, porém, um segredo conhecido por todos os adultos do povo menos pelas crianças.Um segredo que nunca foi tema das conversas lá em casa, depois da ceia.O Ananias tinha sido abandonado pela mulher na primeira noite de casado.A matrafona tinha fugido com outro homem de forma tão descarada que o Ananias nunca mais se casou.
Mais tarde, já eu era homem maduro soube que o velho Ananias morreu em Lisboa podre de tanto álcool e de abandono.
No local onde existiu a sua pequena casa de solteiro condenado foi construída outra de um vizinho emigrado em França.
De quando em quando ainda me lembro deste homem que povoou os sonhos da minha infância com as suas histórias de bruxas, demónios e fantasmas gemendo pelos vinhedos.Ele e outros como ele deram tudo ao Douro mas nem na sua terra foram enterrados!Merecem , no entanto, ser recordados já que em vida foram injustiçados!
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