terça-feira, 8 de março de 2011

PAGAR PARA TRABALHAR! (memórias)


«Estavam fartos de pagar para trabalhar.Os 900 reis que cada um dos sete criados de mesa pagava por dia, a título de limpezas e por louças partidas, a D. Pedro Torres, um galego rico dono do café Suisso, somados, davam por mês 189.000 réis.Era muito dinheiro.
No princípio de Agosto de 1909 quando o gerente do café , conhecido entre os trabalhadores como o salmonte, os intimou a pagar mais 1700 réis cada um, relativos a lavagem de roupa, de três dias, recusaram a fazê-lo.

A receptividade que tivera o manifesto a reclamar que não os obrigassem a pagar 50% do produto das gorjetas, distribuído em Junho nos cafés da Baixa, a clientes e trabalhadores tinha-os animado.Às três da manhã, hora de encerramento do Suisso combinaram todos não ir trabalhar no dia seguinte.Dito e feito.Nenhum faltou ao compromisso.

Logo de manhã foram para a Associação e pediram a sua intervenção no conflito.Foi eleita uma comissão constituída por três elementos da direcção da associação e três dos trabalhadores que pediu uma reunião com D. Pedro.

Este fez questão de os receber com toda a consideração, em sua casa, num luxuoso salão como os activistas nunca tinham visto antes.Falou nos negócios em Espanha, da sua fábrica de alpercatas, dos operários , de quem era amigo até mais não.De como o seu café era bem dirigido e de como os seus empregados ganhavam bem.Terminou o seu primeiro falar a dizer que preferiria receber apenas as gratificações dos sete empregados e que aqueles recebessem os lucros que o café lhe dava.
O modo como D. Pedro pronunciava as palavras era tal que até parecia que os queria namorar.
Ao seu lado recostado numa poltrona estava sua excelência o salmonete que com modos apetitosos de «queijo suisso»os quis convencer que estavam a ser iludidos e que tudo não passava de uma vingança de um mau carácter que levava os outros atrás.

Era a primeira vez que os activistas e dirigentes presentes se confrontavam cara a cara com um patrão para negociar, que sustentavam conversa e fundamentavam razões de classe com um burguês...»

Américo Nunes «Hotelaria, de criados domésticos a trabalhadores assalariados», edições Avante, 2007

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