terça-feira, 27 de julho de 2010

PELO DOURO ACIMA...



Um calor sufocante abrasa-me todo o corpo que se desfaz em suor!A paisagem conhecida do vale do Douro passa pelas janelas escancaradas do Regional que, aos solavancos e e gemidos agudos acaba por fazer mais uma paragem na estação isolada com plataformas escaldantes.
Procuro ajeitar-me no banco pela vigésima vez e abrir novamente o jornal amarrotado na página das notícias nacionais.

Um passageiro idoso, de cara rugosa, acaba de entrar na minha carruagem já deserta pela debandada geral ao longo desta infinita viagem.
O rio, agora cheio e manso, é o único sinal de frescura!Nem a paisagem vinhateira que nos rodeia contraria tanta secura.
A esta hora está tudo em casa abrigado do calor.Impressiona a forma como as vinhas rodeadas de cascalho resistem ,verdes e promissoras, a tanto calor!

O cego Asdrubal não sai da porta da Quinta esperando a esmola do viajante ou o caldo e o rabo de sardinha da caseira da Ferreirinha!Sempre que ali passa alguém levanta um coro de lamurias para apiedar os muitos forasteiros ou romeiros que seguem para Lamego!
Na maioria dos casos leva fisgas e insultos dos muitos carreiros que por alí circulam com pipas de vinho em carros de bois com destino á vila da Régua.
Vai pro diabo Asdrúbal, pede á tua patroa que está podre de rica!O choro redobra de intensidade e parece que o olho vazio do velho lança faíscas de indignação.
Apenas os caes da Quinta o fazem serenar e afastar-se com humildade quando a patroa velha sai na sua carripana de dois cavalos conduzida pelo filho mais novo da caseira.O corpo do Asdrúbal verga-se numa reverência ancestral e o seu olho ainda válido brilhou de contentamento perante a moeda de um centavo dado pela mão fina da velha Ferreirinha.

A paisagem vista do comboio, embora bela, é algo irreal.Parece que estamos a sonhar e que flutuamos levados pelo intenso calor!

Os homens de pele escura com picaretas e ferros do monte abrem o ventre da terra dura e áspera.De vez em quando utilizam explosivos.Era necessário saibrar todo aquele monte para plantar uma nova vinha.O patrão tinha prometido um caneco de vinho a quem não arredasse pé.Só a noite os iria expulsar para casa com o corpo dorido de meses a bater naquela terra ingrata.Cada homem não era mais do que uma silhueta de movimento lentos, fantasmas que ora se levantam ora se somem nas rasgões da terra, escondidos em valas enormes da altura de um homem.
Dia após dia, monte após monte o Douro foi sendo roteado por um exército enorme de nortenhos, beirões e galegos que de um vale inóspito construíram «um reino maravilhoso».

O passageiro idoso de cara rugosa está vestido de escuro e usa chapéu tradicional.A sua mala é de fraca qualidade e de idade indefinida.O seu olhar sereno procura um assento junto da janela.O seu calçado é rústico e quente, um tipo de bota de trabalho mais próprio do inverno do que do verão.Ao sentar-se olha-me com simpatia e dá-me as «boas tardes».Procura alguém para conversar pensei logo de imediato.E eu sem qualquer disposição para falar neste mar de calor.

Tal e qual!O velho começa a dizer para onde ia, para Covelinhas,depois da Régua.Tinha vindo visitar um seu velho amigo que estava a morrer.Estoicamente desabafa que a ele a morte não lhe mete medo.Já passou por muito na vida e para ser franco-diz- a morte é um descanso.Olha para mim com uma serenidade olímpica que me arrepia, apesar de tanto calor!

1 comentário:

Maria da Glória Guedes disse...

Felizmente que agora é mais fácil trabalhar e "moldar" esta terra tão bonita. E vale a pena o esforço para retirar dela brancos que refrescam o Verão,tintos e Portos inesquecíveis.