quarta-feira, 8 de junho de 2022

DESLIGAR DO TRABALHO É MAIS DO QUE UMA QUESTÃO JURIDICA

 

Tem havido nos últimos tempos um debate muito interessante sobre o «direito a desligar ou


desconexar» do trabalho.Um debate muito jurídico mas também de análise sociológica e sindical.A França foi talvez um dos primeiros países a colocar a questão em lei e este ano ,no quadro do diploma 83/2022, sobre o teletrabalho, integrou também o nosso quadro jurídico sob a denominação de obrigação da entidade patronal em não ligar ao trabalhador no tempo de descanso deste.O direito do trabalhador exige assim uma obrigação patronal.

No entanto temos que reconhecer que na prática esta obrigação patronal vai ser muitas vezes violada com inúmeras justificações e, num quadro de precariedade, o trabalhador não tem coragem de não atender o chefe ou patrão a qualquer hora.Ou seja, por razões objectivas este direito pode ter poucas condições para se efectivar.

Por outro lado, são muitos os trabalhadores que não desligam e não são capazes de se desligar do trabalho e dos seus problemas profissionais.Por vezes, ouvimos alguns colegas afirmarem que deixam todas as questões do trabalho á porta do mesmo.São uns felizardos!

Todavia, também existem muitos trabalhadores que transportam para casa todos os problemas que têm com as chefias ou com os colegas,o ambiente competitivo e pouco saudável que existe no local de trabalho,os conflitos sociais, como greves, doenças, absentismo,etc.Basta que um ou dois colegas entrem de baixa para que a equipa se ressinta, aumente o trabalho, aumente a crispação.Mesmo que o patrão ou chefe não nos ligue estamos com o trabalho na cabeça.Uma angustia se apodera de nós

Por outro lado,as novas tecnologias, que de certa maneira são uma maravilha do nosso século, principalmente com a internet,comportam frequentemente novas escravidões.É o whatsApp,os mails, as redes sociais.O chefe cria um grupo de whatsApp,manda uma notícia para o face a fazer um aviso, um apelo, etc.

O nosso trabalho, do qual cada vez queremos falar menos,apodera-se do nosso cérebro da nossa vida, ao mesmo tempo que temos dificuldade em nos distanciarmos desta rede que nos enreda.A competição e os sistemas de avaliação isolam-nos, fazem-nos desconfiar dos colegas;o discurso do sucesso e meritocrático tornam-nos inseguros porque não conseguimos atingir os objectivos, subir a pulso, ser o máximo.Podemos passar a uma fase de esgotamento ,de «bournout» de doença, num ciclo vicioso que alguns quebram da pior maneira, ou seja, com a baixa prolongada ou o suicidio.

Saber desligar do trabalho cada vez é mais difícil.Com o teletrabalho a situação vai piorar na medida em que a nossa casa passa também a ser um local de trabalho.Casa e trabalho confundem-se, para alguns é a liberdade mas para outros, é a confusão,o não distanciamento entre a vida familiar e profissional!

Realmente o direito a desligar é muito mais que uma questão jurídica,é uma questão existencial, é mais do que o direito a descansar.Na medida em que o trabalho se torna cada mvez mais imaterial mais problema temos em desligar, em separar o trabalho da vida social e familiar.

Estamos a passar a uma fase em que o trabalho mais árduo e monótono deve ser realizado por máquinas e aos humanos deve ser reservado o trabalho mais criativo, mais humano, mais nobre.Uma fase em que se deve trabalhar menos horas e muito mais bem pagas!

Mas no capitalismo  esse tipo de trabalho, com menos horas e bem pago será sempre reservado a uma minoria que coexiste com uma maioria de gente mal paga, trabalhando de forma flexível e nos piores trabalhos ou na situação de desempregado.

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