Embora contra a corrente, nomeadamente do pensamento do primeiro-ministro de Portugal, quero aqui falar de um assunto- sofrimento no trabalho- que, no nosso país, é assunto de que não se fala e nada ou pouco tem interessado aos investigadores da área da segurança e saúde no trabalho. Na área da psicologia social já aparece uma ou outra pessoa a tratar do assunto ou a referir investigadores internacionais como a equipa de Dejours. O sofrimento no trabalho é assunto económico, social e político. A sua existência e a sua eventual progressão nas nossas sociedades atuais é um sinal de alarme.
Hoje com as novas formas de organização do trabalho criadas para responder cada vez mais á competição, às exigências dos clientes e às encomendas, bem como ao lucro rápido, aparecem cada vez mais os problemas de stresse no trabalho e a depressão relacionada com este. A sobre-exploração dos trabalhadores, possível por essas formas de organização do trabalho e pelas enormes potencialidades das novas tecnologias, pode criar um mundo laboral doente, tanto sobre ponto de vista físico como psíquico!
Claro que este discurso ainda é olhado com desconfiança por muita gente! Alguns, inclusive, especialistas, dizem, por exemplo, que não podemos dar acolhimento a uma mentalidade lamurienta e de queixinhas! Dizem, inclusive, quanto ao stresse no trabalho, que há «stresse bom e stresse mau». Dizem ainda que a maioria dos trabalhadores «está muito bem e até anda satisfeita» e, portanto, atenção, não vamos «pôr em causa o trabalho»!
Ora, vamos então colocar as questões no seu lugar. Primeiro as «queixas» dos trabalhadores são um elemento fundamental a ter em conta na avaliação de riscos e no estabelecimento de medidas de segurança e saúde. Quando ouço alguém desvalorizar estas queixas está tudo dito!
Em segundo lugar temos que dizer quanto ao stresse o seguinte. Existe o stresse ocasional, agudo, e o stresse crónico que se prolonga por tempo indeterminado. O stresse agudo, caso seja meramente pontual e não tenha afetado o trabalhador de forma traumática não acarreta problemas de maior para a nossa saúde! Já o stresse crónico pode comportar vários problemas para a saúde do trabalhador. Quanto mais prolongado pior.
Quanto á ideia de que existe uma minoria de trabalhadores com problemas de saúde há que estar atento ao seguinte. Os efeitos das doenças profissionais em geral não se manifestam de imediato. Podem levar anos e, em alguns casos décadas. Por outro lado, o facto de termos um trabalhador doente num local de trabalho deve servir de alerta para nos interrogarmos sobre o que poderá estar a acontecer no mesmo ou na empresa.
A existência de um caso evidente de depressão num local de trabalho pode ser um indicador de um alto nível de sofrimento que está a atingir uma larga percentagem de trabalhadores.
A existência de um serviço efetivo de segurança e saúde no trabalho, o recurso á formação de trabalhadores, nomeadamente de representantes para a SST, na dimensão dos riscos psicossociais, a elaboração de guias de apoio, a criação de grupos na empresa para falar destes problemas são medidas que podem ajudar a prevenir o sofrimento no trabalho.
Num quadro de grande desemprego e precariedade, o medo e a concorrência entre trabalhadores aumenta. A aplicação de sistemas de avaliação competitivos, a meritocracia endeusada e o assédio são os grandes fatores do desgaste, do medo de não «estar á altura», de não «responder aos desafios»!
Para os ideólogos do velho pensamento liberal, agora globalizado, estes são os condimentos necessários, o caldo cultural do «novo homem» que querem construir. Um «homem» que colocam como modelo a seguir-forte e não lamuriento- mas que não passa de um escravo moderno que mais tarde ou mais cedo vai quebrar! Desde sempre os homens se revoltaram contra a escravatura. Adoecer também poder ser uma revolta!
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