Maria Rosa Viseu foi protagonista de uma luta que a fez conhecer a prisão e a tortura da polícia política, mas que contribuiu decisivamente para a conquista das oito horas de trabalho na agricultura.
A conquista aconteceu a 12 de maio de 1962, há precisamente 50 anos, tinha então Rosa Viseu 27 anos.
Não fez parte do grupo de cinco mulheres e 10 homens presos dias antes (na noite de 27 para 28 de abril), mas conheceu demasiado perto a crueldade da tortura, incluindo a da privação do sono (por duas vezes, uma cinco dias e cinco noites e outra três dias e três noites) e o espancamento.
Foi levada pela PIDE (polícia política do Estado Novo) na madrugada do dia 19 de janeiro de 1961. Ficou presa sete meses, mas nunca denunciou nenhuma das sete mulheres por quem era responsável dentro da organização do Partido Comunista Português (PCP), contou à agência Lusa.
"Até virem as eleições de 1958 eu não sabia nada. Eu achava que de facto tinha que haver os senhores e os pobres. Não tenho vergonha de o dizer. Então, ninguém me explicava nada. Mas depois veio o movimento, agarrou-me. Eu comecei a ler: 'espera aí'. Então a Maria Rosa avançou. Na praça vá de pedir condições, vá de estudar a maneira com que a gente havia de falar todos", disse.
Na "praça de jorna" - onde, ao domingo ao fim do dia, os trabalhadores discutiam com os patrões o preço da jorna da semana (30 a 40 escudos/15 a 20 cêntimos por dia) e onde eram contratados - estavam vigiados.
Maria Rosa era então uma das que mobilizava os outros para "pescarias e piqueniques" na celebrizada localmente "ponte da caleira", junto ao rio, onde combinavam a estratégia para a "praça de jorna".
Se a ameaça de não aparecerem ao trabalho por vezes resultava em melhor jorna, porque eram precisos braços para mondar o arroz, já a reivindicação das oito horas teve que ser imposta.
Combinada nos piqueniques dos domingos de 01 e de 08 de maio, no dia 12 os camponeses do Couço chegaram aos campos às 08:00, já o sol ia alto, e, perante a estupefação dos capatazes, às cinco da tarde "abalaram" rumo a casa.
"Pousaram as suas ferramentas e foram para casa e por mais que os capatazes lhes dissessem que o sol ainda não se tinha posto, elas impuseram o horário de trabalho", disse à Lusa Paula Godinho, a antropóloga que fez a sua tese de doutoramento sobre as lutas do Couço.
"As oito horas foi um grande pulo que se deu para os camponeses, coitadinhos. Depois eu até dizia 'deixámos de ser bichos'. Erámos uns bichinhos porque saíamos às quatro ou cinco da manhã, conforme a distância" (percorrida a pé até ao local do trabalho), disse Rosa Viseu à agência Lusa.
Até aí, as mulheres, que andavam sobretudo na monda do arroz, horas seguidas dentro de água, saíam de casa às quatro, cinco da manhã e só regressavam já noite feita.
As tarefas de casa, incluindo a lavagem de roupa à mão, faziam-se ao sábado - "saíamos hora e meia antes do sol se pôr" - ao domingo e ao começo da manhã de segunda-feira - "pegávamos ao meio dia" - e ainda era preciso ajudar o marido na horta, recordou.
"Foi uma vida tão triste. Eu nem quero pensar nela", disse, recordando que os filhos [teve dois] ficavam entregues a mulheres mais velhas, que já não trabalhavam, a quem as mães entregavam o valor de um dia de trabalho por semana.
Se a luta valeu a pena? "Valeu sim senhora, olha, olha. Eu nunca tive quieta e não estou nada repesa (arrependida). Sofri um bocado", confessou Rosa Viseu à Lusa, segurando na mão uma edição do jornal Avante!.
"Naquele tempo era o [Avante!] pequeno para o metermos aqui [entre os peitos] para ninguém ver. Como é que eu sabia se não estivesse ligada a isto?".
Lusa, 11 de Maio de 2012
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