A inspeção do trabalho portuguesa está ligada a um século
de história das condições de vida e trabalho dos trabalhadores portugueses.
Nascida em março de 1916, em plena Primeira República, enquanto estrutura da
administração do trabalho e no âmbito da criação do novel Ministério do
Trabalho e Previdência Social, ela tem as suas raízes nas últimas décadas do
século XIX e , muito particularmente, num
diploma publicado a 22 de abril de 1891.
Com
efeito, nos últimos vinte anos do século XIX acentuou-se a modernização da
economia capitalista portuguesa e tornou-se evidente aos olhos de importantes setores
da sociedade as péssimas condições de trabalho existentes em todos os locais de
trabalho com especial destaque para os chamados estabelecimentos industriais.
Homens, mulheres e crianças trabalhavam sem horários ou com horários extensos
de 14 e 16 horas, em condições higiénicas deploráveis e arrasadoras para a
saúde, em particular para as crianças e jovens. É neste quadro da chamada
«Revolução industrial», chegada a Portugal quase com um século de atraso, que
nasce a «questão social» e emergem as primeiras associações operárias e greves,
os primeiros intelectuais preocupados com a situação operária e trabalhadora em
geral (geração de 70) e a Encíclica «Rerum Novarum» do Papa Leão XIII.
Assim,
nos finais do século XIX e durante os anos que precederam o fim da Monarquia e
a implantação da República foram vários os diplomas que procuraram regulamentar
o trabalho de menores e das mulheres, em particular no que respeita aos
horários de trabalho, insalubridade dos estabelecimentos, trabalho noturno das
mulheres. Em alguns destes diplomas,
primeiro núcleo do futuro direito do trabalho, aparecem as primeiras
preocupações de fiscalização das condições de trabalho, sendo elas bem
evidentes no diploma de 1891,onde são claramente definidos os poderes e
competências dos inspetores.
Estas competências são novamente referidas e até
aperfeiçoadas no diploma de 1895 sobre higiene e segurança do trabalho no setor
da construção e obras públicas, onde se estabelece que o inspetor deve
verificar os equipamentos de trabalho, inquéritos de acidentes e elaboração de
estatísticas, entre outras importantes funções.
Até
finais do século XIX ocorre ainda a primeira revolta republicana (31 de janeiro
de 1891) realizam-se alguns congressos operários (1891 e 1894) e o reconhecimento
do direito de associação de classe (1891).
A
Primeira República foi um tempo de sonhos!
Em 1910
é implantada a República Portuguesa e um inquérito da Direção Geral do Comércio
e Indústria revelava as terríveis condições de vida e de trabalho do operariado:
ausência de contrato de trabalho, pagamento á jorna ou empreitada, baixos
salários, trabalho feminino e infantil, duração do trabalho entre as 10 e 12
horas, não distinção entre trabalho noturno e diurno, elevada sinistralidade e
morbilidade. Eram tempos de capitalismo selvagem!
Em 1911
Portugal tinha cerca de 6 milhões de habitantes com 70% da população analfabeta.
Neste mesmo ano é publicada a Constituição da República e o descanso semanal
obrigatório.
O
período de 1912 a 1914, ano do início da Primeira Grande Guerra Mundial, é um
tempo de grandes movimentos grevistas, procurando o movimento operário retirar
vantagens da nova situação.Houve aumento geral de salários! Em 1913 é estabelecida pela primeira vez a
responsabilidade patronal pelos acidentes de trabalho. O diploma em questão não
refere qualquer responsabilidade no domínio inspetivo. Em 1914 é criada a
primeira central sindical portuguesa, a União Operária Nacional, já em conflito
aberto com os governos republicanos que se viriam a mostrar muito duros com o movimento sindicalista de inspiração anarquista.
Entre manifestações contra a carestia de vida (1915) e a
declaração de Guerra a Portugal por parte da Alemanha (1916) é criado o
Ministério do Trabalho e Previdência Social que integra a Direção Geral do
Trabalho e a inspeção do trabalho com a atribuição da fiscalização das leis do
trabalho e cujo diploma (Lei 494 de 16 de março) é considerado como a criação
oficial desta instituição que faz agora um século.
De 1916
a 1919 Portugal vive um conjunto de acontecimentos com importância social e
política de relevo. É a participação do exército na Grande Guerra, os ecos da
Revolução Russa (1917), a ditadura militar de Sidónio Pais e o seu assassinato
(1918), a greve geral do mesmo ano, a criação da CGT (1919) e as consequências
da economia de guerra que durariam por alguns anos.Os trabalhadores portugueses tiveram anos de grandes dificuldades....
A
criação da Organização Internacional do Trabalho (1919), de que Portugal é membro
fundador, é considerada um marco de especial importância na medida em que, para
além da sua inovadora estrutura tripartida, onde têm assento patrões,
trabalhadores e governos, inicia-se um novo capítulo do direito do trabalho com
as primeiras convenções aprovadas por aquela Organização Internacional.
Convenções que visam precisamente responder de forma universal aos problemas
laborais mais prementes da «questão social» como o trabalho de menores e
mulheres, trabalho noturno e horários de trabalho. A OIT viria a ser
fundamental em anos seguintes na definição do estatuto das inspeções do
trabalho.
Com o crepúsculo da Primeira República, em 1925, é
extinto o Ministério do Trabalho e Previdência Social, sendo a Inspeção do
Trabalho substituída pela Repartição da Política Social do Trabalho com funções
de fiscalização do trabalho.(continua)
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