terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O MUNDO LABORAL E A ACTUAL CRISE!


Intervenção de João Lourenço, sindicalista da Comissão Executiva da CGTP, nas VI Jornadas de Acção Social - Damaia

Embora não tenha sido muito perceptível, nos últimos anos, vive-se em permanente crise laboral e social, esta agora é mais falada com o aparecimento da fortíssima crise económica e o disparar do desemprego. O modelo de desenvolvimento em curso terá esquecido a principal razão que faz a diferença entre a organização das sociedades democráticas humanizadas e solidárias e o papel da realização individual e colectiva das pessoas.
Doutrina Social da Igreja

Porque estamos a reflectir, é bom relembrar alguns ensinamentos da doutrina social da Igreja:

Perante o maior problema desta crise social - o desemprego - citemos o papa João Paulo II, na Encíclica Laborem Exercens. “O trabalho humano deve ser visto como elemento essencial para a realização do homem”.
Na mesma Encíclica diz ainda “O trabalho é um contributo para a realização do bem comum da sociedade em geral, pois é pelo trabalho que cada um se realiza e multiplica o património da humanidade”.

Já o papa Pio XI em plena crise 1929/33, e em pleno momento crucial do desenvolvimento industrial, recomendava fazer-se uma melhor distribuição das riquezas e pedia uma maior participação dos trabalhadores nos lucros e na gestão das mesmas.
Defendia o papel do Estado em prol do bem-estar dos cidadãos, nomeadamente nas matérias de assistência social. Mas também deixava outras responsabilidades como o da realização familiar.

Agora analisemos e reflictamos o factor desta crise laboral e de algumas das principais preocupações para o sindicalismo.

Para mim, a maior preocupação está na crise gerada por este modelo de desenvolvimento cuja produtividade é altíssima e baixíssima conforme as regiões ou o estado de desenvolvimento nas multiformes assimetrias ao nível local e mundial. Esta situação gera deslocalizações de empresas para certas regiões onde é mínima a organização laboral. É um incentivo para muitas empresas aproveitarem oportunistamente o dumping social para darem um golpe nos empregos com qualidade, com gravíssimas consequências para o desenvolvimento e sustentabilidade da coesão social.
A Precariedade

Em Portugal a taxa de precariedade é uma das maiores da Europa, esta preocupa sobretudo porque é nos jovens que está mais acentuada. Segundo estudos é entre os 20 e os 30 anos de idade que a percentagem é maior e entre os 16 e 25 anos atinge os 45%, porque muitos ainda estão a estudar. O desemprego é grave, por motivos do modelo de desenvolvimento 25 a 30% têm excesso de formação/qualificação para os empregos que ocupam. As consequências são nefastas sobretudo para a realização económica dos jovens e constituição familiar, têm ainda graves repercussões no crescimento demográfico e no futuro do país.

Hoje cerca de um em cada cinco trabalhadores, têm um vínculo não permanente e o número está a crescer. Mas ainda há uma outra realidade que é pior, a do trabalho clandestino (não declarado) não legal, mas que existe não é captado para estatísticas e também os sindicatos não conseguem aproximar-se dele só se apercebem deste facto quando há acidentes mortais, normalmente são emigrantes que não estão legalizados nem falam português.

Também estamos a construir uma sociedade que quer premiar só os muito bons, medir para avaliar e premiar o trabalho dos melhores pode parecer, mas não ser uma causa justa. Porque a sociedade produz mais do que o suficiente e não precisa de estimular essa divisão e competitividade individual que corrói a coesão social, promove o individualismo e a competição entre os próprios colegas, potencia divisões fracturantes por isso não é salutar excluir os menos capazes se todos estão a contribuir para o bem comum, o bolo deve ser dividido por todos. Em contraste, deixaram-se de defender virtudes do passado como o da entreajuda e solidariedade, que foram trocados por outros valores como o do individualismo, do mercantilismo, das medidas tecnocratas sem cariz social, e muitas outras do foro do poder.

Temos que colocar estas situações no dia a dia, pensar em mudar de rumo ou modelo. Muita gente ainda não percebeu verdadeiramente o que se está a passar, e acham que é através do funcionamento do mercado que se regulariza tudo. Mas, o mercado não é social é económico. A economia é importante quando está ao serviço do ser humano e não numa única aposta sempre do lado do lucro e na distribuição exclusiva pelos accionistas. Se não melhorarem as preocupações pelo combate ás assimetrias existentes, nem aumentar respostas da responsabilidade social das empresas, nem na elevação dos salários com justiça, e ainda continuarem com poucas preocupações de carácter de sustentabilidade social e ambiental não teremos soluções pacificadas nem dignas.

Papel dos sindicatos

Também me preocupa o papel dos sindicatos na sociedade que é constantemente desvalorizado por opiniões ideológicas e por algum poder que não o compreende nem aceita, que é a defesa dos trabalhadores e a melhoria da qualidade de vida.

Há quem em nome da crise queira reformar o papel dos sindicatos invertendo os seus valores em que estes se fundaram, para aparelhos controlados para facilitarem a aplicação de politicas ou de medidas económicas, regressivas como trocar direitos por promessas futuras, quase sempre se tornam em medidas injustas ou que constantemente geram mais desemprego. Como é o caso, de em troco de emprego reduzirem salários para os mais jovens, do alongamento de jornadas de trabalho e até de horários sem retribuição, redução de feriados, férias etc.

Há muito que se reivindica um sindicalismo novo mais actuante, mas o espaço deixado para este é curto, e sem sindicatos fortes não se consegue influenciar a sociedade para mudanças qualitativas e novas. A crise auto influencia-se e os sindicatos não estão a dar o seu contributo desejado para a superação da crise porque também são vítimas desta, quer ao nível nacional, quer internacional.

Hoje, proporcionalmente há menos trabalhadores sindicalizados. A análise leva-nos a concluir que é por motivos culturais e da crise, assim como, o apregoar da falsa virtude do individualismo de desclassificar a contratação colectiva, tal como aparece protagonizado no novo código laboral.

Apesar de tudo, os sindicatos propõem políticas mais solidárias e activas de emprego com garantias contratuais e de estabilidade que estas se mantenham consignadas em lei. Aquela máxima muito divulgada “ de que os trabalhadores já não querem um emprego estável para toda a vida”ou de que “este está em vias de vir a acabar” não serve para o futuro. Pois seria a desestabilização da sociedade pela via da exclusão gerada e a condenação a uma crise laboral permanente, é pois necessário a quem profetiza essa concretização mudar de pensamento e de acção.

Que lugar para o mundo do trabalho?

Assim, neste contexto é para se perguntar qual é o lugar reservado ao mundo do trabalho instável em que vivemos? Será que já se analisou bem os impactos sociais que poderão advir pelo facto de os sindicatos estarem com dificuldades de influenciar positivamente a sociedade? E pelo facto de muita da capacidade instalada de produção ser muito superior á do consumo? A quem vai caber deixar de produzir e fechar? Que país? Que empresas? Ela crise é resolvida com o apoio ao desemprego? Quem quer aceitar esta realidade? E então qual o papel que se espera dos trabalhadores e dos sindicatos?

Com certeza isto exigirá uma nova cultura! Esta situação mostra que ainda há muito para mudar em mentalidades e em organização societária, o combate á situação exige um maior espaço de debate. Todos sabemos, que há grandes dificuldades mas é preciso acreditar e confiar. É necessário uma nova era que traga prosperidade para todos e isso passa por uma maior coesão social, combate ás assimetrias existentes, mais solidariedade e uma melhor qualidade nos empregos, uma mais justa distribuição da riqueza produzida.

Para terminar:

Em Portugal é preciso rever as políticas que regulamentam o trabalho, mas não podem ser só os trabalhadores a serem constantemente confrontados em mais sacrifícios em nome da crise, seja da globalização, da competitividade ou da produtividade. A concorrência com países como a China, não é viável nem pela legislação nem pela retirada de direitos, pelo facto de serem demasiadamente grandes. È preciso mudar as regras do mercado global, estas passarão por políticas novas de combate ás fortes assimetrias e em concertação internacional nas Nações Unidas, ou noutro organismo que venha a ser constituído.

O projecto que Deus criou para a Humanidade é de abundância, na igualdade, no usufruto da natureza e na distribuição do seu pão, na justiça e na paz.
Inspirados na doutrina social da Igreja com o nosso contributo façamos para que haja uma sociedade mais humana e justa.

João Lourenço












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