Um artigo para ler:
"Se política fosse futebol, dir-se-ia que o Parlamento Europeu (PE) venceu ontem ao Conselho. O órgão representativo dos cidadãos derrotou o clube de chefes de Estado e de Governo, ao chumbar as alterações que propunha à directiva sobre organização do tempo de trabalho. Ganhou uma batalha; não a guerra - ou a primeira mão, não a eliminatória.
O processo passa agora a uma nova fase, que implica negociação entre as duas partes. Mas não alimentemos ilusões: quanto mais se aprofundar a crise económica, mais caldo de cultura será criado para aumentar o tempo de trabalho. Mais tarde ou mais cedo, as teses da nova escravatura acabarão por vingar.
Na Europa, o período semanal de trabalho já atinge 48 horas (oito por dia, restando um de folga). Numa votação em que Portugal - o ministro Vieira da Silva, mais concretamente seabsteve, o Conselho queria "esticar" o limite até às 65. Como o trimestre passaria a ser o período de referência, um trabalhador poderia ter de cumprir 79 horas semanais. Pior: não contando o tempo de inactividade, o mais provável é que passasse a levar um colchão para o emprego.Muito sangue se verteu pela jornada de oito horas de trabalho.
Entre os direitos laborais, foi o que impulsionou outros, hoje dados como adquiridos. Nos tempos que correm, contudo, falar em direitos adquiridos é quase crime de lesa-pátria Tomados por "privilégios", mais facilmente se sacrificam a valores como ^competitividade. Como a Europa não aguenta a concorrência dos países emergentes, a receita é conhecida: despede ou força quem tem emprego a trabalhar de manhã à noite. Entenda-se por "concorrência dos países emergentes", para este efeito, sobretudo a exercida por multinacionais instaladas na China para aproveitarem salários de miséria.A questão, porém, não se cinge ao retrocesso - civilizacional - que o aumento de horas de trabalho representaria.
O social-democrata Silva Peneda e a comunista Ilda Figueiredo, eurodeputados que acompanharam colegas portugueses e mais de 500 estrangeiros na rejeição da proposta, puseram o dedo noutra ferida aberta pela proposta de revisão de uma directiva que também visa, curiosamente, proteger a segurança e a saúde dos trabalhadores.
Poderiam até trocar uma parte dos seus discursos sobre a matéria, aquela em que falavam na conciliação da vida familiar com a profissional.Políticos que se prezam falam ao coração da família Se perceberem os sinais dos tempos, não prometem só abonos; prometem incentivos à natalidade, tanto mais necessários quanto mais envelhecida a Europa está a ficar. Mas frequentemente esquecem como notou o espanhol Alejandro Cercas, relator da Comissão de Emprego do PE - que os cidadãos devem "trabalhar para viver e não viver para trabalhar".
PAULO MARTINS - Chefe de redacção adjunto do JN
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