Nos
últimos meses têm sido várias as notícias sobre as alterações à legislação laboral
acordadas na concertação social e que deram corpo a uma proposta de lei.Nestas
alterações mais uma vez a questão dos horários de trabalho, e em especial o
«banco de horas», estiveram no centro dos debates e de alguma polémica, pois
como é sabido aquele acordo não foi consensual na concertação social nem na
sociedade portuguesa.
Efectivamente, a questão dos horários
de trabalho tem estado no centro dos acordos e desacordos ao longo dos mais de
quarenta anos de democracia.Em todos os países esta questão , histórica para os
sindicatos, faz parte do diálogo social e de acordos de empresa e dos
diferentes sectores económicos.Sabemos que a própria Doutrina Social da Igreja
aborda esta questão e os movimentos de trabalhadores de inspiração cristã são particularmente sensíveis ao problema, dadas as implicações que os horários de trabalho
podem ter para a saúde dos trabalhadores, para a vida social dos mesmos e para
o equilíbrio entre a vida profissional e familiar, direitos sociais
fundamentais nas sociedades democráticas.
Nos últimos anos a flexibilização das
condições de trabalho tem sido crescente em quase todos os países com a
justificação de que aumentou a competitividade global, a imprevisibilidade e
instabilidade dos negócios.Os horários de trabalho têm sido também flexibilizados
para responder a estes problemas.Porém a flexibilização tem limites que são os
direitos individuais e colectivos dos trabalhadores acima referidos.
Os
riscos de um «banco de horas»fora da negociação colectiva
O chamado «banco de horas» grupal, foi
introduzido na revisão do Código do Trabalho de 2009. Este «banco de horas», de
grupo ou individual, é a possibilidade de se trabalhar mais horas por
dia/semana até um certo limite anual em momentos em que a empresa tem um pico de actividade, sendo posteriormente
compensado o trabalhador com tempo livre.No entanto, o Código de 2009
estabelecia que a introdução do «banco de horas»grupal tinha que ser objecto de
negociação colectiva, ou seja, deixava a cada sector e empresa o
estabelecimento destes horários de trabalho.
Apesar das limitações existentes,
nomedamente no que respeita ao grande número de horas que se poderia instituir,
o facto de estar estabelecido por negociação colectiva evitou abusos na
utilização deste mecanismo .Em 2012 foi introduzido o «banco de horas»
individual para dar mais margem de manobra às empresas no estabelecimento dos
horários de trabalho sem interferência dos sindicatos.
As alterações à legislação
introduzidas agora, salvo modificações que possam ainda ocorrer no debate da AR,
submete a referendo dos trabalhadores de cada empresa o estabelecimento do «banco
de horas» na mesma.Ora, esta é uma forma de dar a volta ao problema sem
modificar essencialmente o problema.É uma alteração perigosa pois introduz pela
primeira vez na legislação laboral o mecanismo do referendo na empresa. Isto
levanta muitos e complexos problemas.Primeiro deixa a decisão de criar o «banco
de horas à empresa desde que a proposta seja confirmada por referendo dos
trabalhadores que estão naturalmente numa situação de inferioridade face à
gestão/patrão.Segundo, marginaliza o papel essencial dos sindicatos dado que a
lei não lhes vai dar qualquer papel para além de vigilantes dos referendos. Agravando
esta situação a realidade é que apenas 8% das empresas portuguesas com mais de
10 trabalhadores possuem uma estrutura representativa dos trabalhadores.
Horários
devem ter em conta os interesses de ambas as partes
Nas pequenas empresas o processo será
acompanhado pela Autoridade para as Condições deTrabalho (ACT).Ora, a ACT que não
acompanha, por falta de meios, outros processos graves de violação da
legalidade laboral como poderá acompanhar milhares de processos para instituir
«bancos de horas»?Tudo indica assim que cada vez mais o estabelecimento dos
horários de trabalho em várias empresas apenas terá em conta os interesses
económicos das mesmas.Por outro lado, este mecanismo significa menos rendimento
para os trabalhadores na medida em que trabalham mais horas para além do tempo
normal e contratual sem a devida remuneração, apenas compensados em tempo
livre.É efectivamente uma desvalorização do trabalho e do direito do trabalho. Em
conclusão qualquer flexibilização de horários que implique ultrapassar os
tempos máximos previstos na lei, no caso português as oito horas diárias/40
semanais, deveria ser sempre fruto da negociação colectiva, um instrumento
indispensável para dar algum equilíbrio entre o capital e trabalho e núcleo de
um verdadeiro diálogo social.Em caso de conflito nesta matéria a primazia deve
ser dada ao trabalho, ou seja ao trabalhador e á sua família.A economia está ao
serviço do ser humano e da sua realização pessoal!
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