A autogestão, como realização concreta de poder dos produtores, foi experimentada ao longo da História em vários locais do mundo e em diversas épocas.Desde a Comuna de Paris passando pelos sovietes da revolução Russa, na Catalunha Republicana e socialista, no Portugal do 25 de Abril de 1974, na França e na América Latina, nomeadamente no Brasil.Foi um tema polémico na esquerda e continua a ser ainda hoje.Entretanto, tanto a direita liberal e conservadora como a esquerda estatista não gostam do conceito nem da realidade.A Constituição Portuguesa ainda prevê a autogestão!
Vem isto a propósito de um recente debate em que participei pelo 43º aniversário da BASE-FUT, em Coimbra, animado por dois investigadores sociais daquela cidade e com uma plateia de gente na sua maioria das gerações de Abril de 74.A revitalização de um sindicalismo solidário e autónomo, aliado dos movimentos sociais modernos e a autogestão foram as principais ideias que atravessaram o debate.Enquanto alguns colocavam reservas à autogestão como ideia mobilizadora para os tempos atuais, outros consideravam que a mesma tinha mais do que nunca interessantes possibilidades!Eu coloco-me no lote dos segundos, ou seja, nas potencialidades da autogestão no atual quadro de grandes transformações económicas, tecnológicas e políticas.
A autogestão como autogoverno dos produtores/consumidores é uma ideia futurista, uma utopia mobilizadora para a ação.No entanto, a ideia tem várias dimensões que correspondem a práticas pedagógicas, sociais e políticas já possíveis hoje.Vejamos:
1º A autogestão como pedagogia cultural e política: é o elemento essencial, digamos o núcleo revolucionário da autogestão. Tal pedagogia exige que tudo se construa da base para o topo.As assembleias decidem e os eleitos executam.Tal pedagogia é aplicada em toda a nossa vida, nomeadamente na vida sindical, na escola, na economia social, no bairro ou cidade.Os cidadãos/produtores/consumidores participam nas decisões da sua comunidade e não entregam tudo nas mãos do eleitos.Hoje com as novas tecnologias a participação foi muito potenciada e facilitada.A autogestão como pedagogia conduz à emancipação cultural e política, ao combate à dominação de uns homens por outros.A cooperação substitui paulatinamente a concorrência.
2ºA autogestão na dimensão económica:apenas num quadro de crise ou num quadro de superação do capitalismo se pode aplicar a autogestão económica.Tais situações ocorreram quase em todas as revoluções quando os patrões abandonam as unidades produtivas.Podem ocorrer em casos em que os trabalhadores decidem tomar nas suas mãos a empresa apesar de estarem num quadro de economia privada de mercado.As experiências e a prática da economia social e solidária são uma forma de viver e praticar a autogestão, estabelecendo relações cooperativas de trabalho e de produção num quadro de democracia participativa.
3º A autogestão na dimensão política: promovendo orgãos de participação e decisão popular sempre onde e quando for possível.Comissões para resolver os problemas concretos da população, promover e aprofundar os orçamentos participativos,organizar a participação da população nos órgãos autárquicos.A autogestão política é a soberania popular, a criação de novos locais e órgãos de poder.
Desta maneira a autogestão pode ser praticada no dia a dia como pedagogia, como proposta económica e política que, funcionando como uma utopia possível, exige-nos práticas sociais e políticas não vanguardistas, democráticas e de participação.A autogestão é, assim, uma seiva que pode revigorar a política enquanto cuidado da polis, da cidade!Ela é um antídoto contra o cinismo, o oportunismo e o populismo fascista!
Sem comentários:
Enviar um comentário