domingo, 29 de maio de 2011

VELHICE!


Vou deambulando pela minha casa cheia de recordações!Como custa passar o tempo quando já não podemos ler, ver televisão ou bordar.Já nem me interessam os números da caderneta bancária onde pontualmente depositam a minha pequena reforma e o complemento de viuvez.
O meu trabalho principal é fazer comida para os gatos, regar as flores e deitar pedacinhos de pão para o telhado mais próximo onde de vez em quando os pardalitos vão debicar.

Uma trovoada ao longe põe-me logo nervosa e cheia de medo.Medo de me lembrar que pode vir uma tromba de água ou granizo capaz de destruir em poucos segundos milhares de hectares de vinha, antecipando as vindimas.
Hoje já não trabalho mas passei a vida a trabalhar á volta destas videiras que todos os anos com espanto vejo morrer e renascer!Passei as «passas do Algarve» em pleno Douro!Geadas enormes no inverno e calores tórridos no verão!Tempestades de apertar o coração que mais pareciam guerras travas entre os deuses.

Bandos de homens com as enchadas nas mãos arranhavam a terra seca vigiados por feitores ciosos das suas funções e do dinheiro dos seus patrões.Socalco após socalco as vinhas iam ficando redradas sobre o sol abrasador de Maio e de Junho.Um ou outro pequeno agricultor ainda fazia esse trabalho já com pintor no bago da uva.A água era o líquido mais precioso depois do vinho nessas alturas e o sol só dava descanso quando se inclinava suave nas montanhas.

Olho para o espelho e já nem me reconheço.Pergunto tantas vezes a mim mesma a razão de ainda não ter morrido.Acordo de noite e pergunto o que terei depois da morte.Como resposta tenho o silencio da casa e mais interrogações... e logo agora que nem ler posso!

O gato branco, o meu companheiro, é quem me entende melhor e eu a ele já que para mim o mundo está louco e os humanos cada vez mais distantes!Eu bem queria ser diferente mas não consigo.Uma revolta surda se apoderou de mim, uma angustia que me corrói a alma aos poucos deixando-me sem forças e sem esperança.

Vou deitar comida ao cão preto o outro companheiro que está proíbido porém de entrar em casa.Com ele falo, barafusto e maldigo a minha vida por ter tanto animal a meu cargo.Mal posso comigo e sempre arranjo trabalhos e preocupações.

Entretanto parece que senti a presença fugaz do carteiro, uma das raras pessoas que por aqui passa.Agora até os carteiros estão com pressa e nem falam com os velhos.E eu que até fiquei rouca de falar tão pouco.
Como o tempo custa a passar...eu que fui habituada a trabalhar e deitar-me á noite tão cansada que logo dormia enquanto ele adormecia mais tarde com o rádio ligado.A cama ainda tem a marca do espaço que ele ocupava ao meu lado.Não sou capaz de ocupar aquele bocado de cama.Será que ele ainda está ali e se deita comigo?
Quantas noites a olhar para o escuro, sem ver nada, senão as recordações do passado!Vou ser crua e sincera.Não consigo aceitar esta velhice, esta degradação de todos os dias, este impossível regresso!

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