domingo, 12 de outubro de 2008

COMO NASCE UM SINDICATO (Memórias)


"O meu pai estava no Sanatório em Coimbra e eu trabalhava lá,numa fábrica,onde os gajos me davam parece que nove paus por dia.Acontece que foi lá um tio meu e minha mãe começou a pensar se não era melhor vir para as minas.
-Lá ganham-se vinte escudos e trabalham-se oito horas.Aqui trabalhas de sol a SOL O melhor é irmos para lá.
E assim aconteceu.Viemos para cá.Comecei a trabalhar aqui em Junho ou Julho de sessenta e seis, portanto já a fazer doze anos.Vim trabalhar para as Correias, ganhava dezanove escudos por dia.Porradas era quantas queria e oito horas por dia, claro.
Um dia consegui escrever uma carta para uma revista, a "Vida e Alegria", hoje "Juventude Operária".A fotocópia da carta foi depois aqui passada de mão em mão e a Companhia teme-se.O certo é que a partir dessa altura deixaram de bater.Embora aqui há meia dúzia de anos o engenheiro Gonzalez, que era lá o meu chefe, um dia quis-me assoar as ventas.Mas às quinhentas ele vieu-se à rasca comigo e tirou daí as ideias.Embora que ele o tenha ainda lá feito com outros.
Agora o regime já não é tão duro porque os trabalhadores souberam acoradr.E souberam perceber que afinal a vida não é só a escravidão.Há um pormenor que não podemos esquecer:é que não existia cá o sindicato mineiro...
Entretanto dá-se o 25 de Abril.Como é lógico, dão-se todas aquelas bulhas que, pode dizer-se foram lideradas por mim e mais dois ou três...
No dia treze de Maio-exactamente no dia da Nossa Senhora-pensámos organizar uma greve a começar numa segunda-feira...paralizou-se.Aquilo não foi uma greve, foi uma explosão.As pessoas andavam fartas de ser oprimidas.Com o 25 de Abril com a liberdade elas ouviram falar de liberdade mas não sabiam bem o que era e como é que podiam utilizar a liberdade.Por isso ela foi utilizada em demasia.Mas tinha que ser assim...
Foram seis dias de bulha.Uma greve de seis dias embora que ao terceiro dia já tivéssemos conquistado aquilo com que depois viemos a concordar.
Foi eleita uma Comissão...A empresa a seguir ao 25 de Abril começou a lidar com os trabalhadores de uma forma digamos paternalista.Queria fazer ver aos trabalhadores que estavam de acordo com o 25 de Abril..."

Pedaço do Livro "A GUERRA DA MINA E OS MINEIROS DA PANASQUEIRA" de Daniel Reis e Fernando Paulouro das Neves, edições a Regra do Jogo ,1979.

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