No passado dia 23 de novembro uma mega operação policial desmantela uma rede mafiosa de exploração de trabalhadores imigrantes na região de Beja.Três destes trabalhadores foram hospitalizados no mesmo dia por esgotamento.A rede controlava o trabalho de centenas de
estrangeiros e nacionais submetendo-os a uma situação de escravatura.A maioria dos responsáveis da rede, nacionais e estrangeiros,ficou em prisão preventiva.O probelma não é novo em Portugal, embora relativamente escondido para favorecer a tão famosa agricultura moderna, intensiva e exportadora que destruiu os últimos baluartes da agricultura familiar naquelas regiões e teve um aumento de mais de 30% de assalariados nos últimos anos e ainda precisa de mais gente a trabalhar e de muita água,muita água num país em crescente seca…
O Ministro Luis Carneiro da Administração Interna disse recentemente que o problema não é novo e é internacional, que «é um problema estrutural e que quando as forças policiais estão a intervir é porque a sociedade está a falhar».Reforça a ideia de que é necessária uma boa articulação entre estas forças (PJ,SEF,GNR,ACT).
Mas será que o Estado, nomeadamente a justiça e a sociedade portuguesa têm reagido adequadamente a esta situação ?
“São dezenas, ou até centenas, de pessoas a viver em condições degradantes, a passar fome e frio e a ganhar uma miséria”, disse ao Correio da Manhã em Dezembro de 2010 o Bispo D.António Vitalino Dantas sublinhando que “é lamentável que uma coisa destas ainda ocorra em Portugal”.
António Vitalino Dantas diria que “os imigrantes chegam em camionetas, são descarregados nas herdades e colocados a residir em barracões sem o mínimo de condições”.O Bispo denuncia as situações de escravatura humana no Alentejo promovidas por mafiosos.
Porém, muito raramente a Igreja Católica denuncia estas situações típicas de escravidão, indignas e inaceitáveis!Curiosamente nas reflexões do sínodo nada aparece sobre esta matéria,ou seja, a maioria dos católicos não se sente interrogada pelo que se passa
ao nível dos direitos humanos no terreno laboral.
Algumas associações de imigrantes (ONGS), partidos (PCP e BE), alguns sindicatos da CGTP e autarquias também denunciaram esta situação nas últimas décadas.Mas depois remetem-se ao silêncio porque efectivamente não possuem meios para combater esta situação ou as suas propostas são chumbadas no Parlamento!
Existe legislação mas não se aplica a todos
A Ordem dos Advogados na sua página na internet colocava, porém, a mão na ferida quando afirmava em dezembro de 2021:«Os donos de terras e as explorações agrícolas que contratam imigrantes ilegais a intermediários que os exploram nunca são responsabilizados criminalmente, sofrendo meras contraordenações. Há quase dez anos que existe uma lei que prevê penas de prisão pelo crime de “utilização da atividade de cidadão estrangeiro em situação ilegal”, mas ainda ninguém foi condenado.
E continua:«Na prática, a ação da Justiça tem-se limitado a perseguir as empresas de trabalho temporário que fornecem a mão de obra migrante e cujos sócios muitas vezes são absolvidos ou desaparecem, deixando para trás dívidas ao Fisco e à Segurança Social e trabalhadores a viver em condições miseráveis.»
E continua o texto referido:Quem está no terreno (…) considera que enquanto não se responsabilizar criminalmente toda a cadeia de contratação as redes de exploração de migrantes continuarão com terreno aberto.
Consultando as estatísticas oficiais na Direção-Geral da Política da Justiça, não há registo de qualquer condenação ao abrigo do artigo 185-A do Regime Jurídico de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional (lei 23 de 2007) que prevê penas de prisão até seis anos (ou mais em caso de reincidência) pelo crime de “Utilização da atividade de cidadão estrangeiro em situação ilegal” para “quem, de forma habitual, utilizar o trabalho de cidadãos estrangeiros que não sejam titulares de autorização de residência ou visto que habilite a que permaneçam legalmente em Portugal”.
O artigo, aditado em 2012 à lei que, em 2007, agregou várias diretivas europeias, penaliza também gravemente “o empregador ou utilizador do trabalho ou serviços de cidadão estrangeiro em situação ilegal, com o conhecimento de ser este vítima de infrações penais ligadas ao tráfico de pessoas”. Bem como se forem verificadas “condições de trabalho particularmente abusivas ou degradantes”. »
Mas então o que se passa?
Mas então o que se passa podem perguntar os portugueses:
Ministério Público e advogados consideram que a lei de 2007 não é usada e que prova é difícil de fazer.
Diz o texto da Ordem dos advogados:Alberto Matos, diretor em Beja da Associação Solim – Solidariedade Imigrante e coordenador distrital do Bloco de Esquerda , não tem dúvidas de que “sem uma responsabilização direta de toda a cadeia contratante, a escravização e exploração da mão de obra vai continuar”. Mas a questão não é simples e não há uma explicação definitiva para que do referido artigo 185-A do Regime Jurídico de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional, que parece ter sido criado para englobar toda essa cadeia contratante, nunca tenha resultado qualquer condenação.
Os proprietários conseguem fugir às suas responsabilidades
A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados considera que “o Ministério Público parece não estar a enquadrar os factos como indícios do crime de ‘utilização da atividade de cidadão estrangeiro em situação ilegal’”. E que “talvez isso explique em boa parte a ausência de condenações”. Adão Carvalho, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, admite que existe “alguma dificuldade em demonstrar que os utilizadores do trabalho de cidadãos estrangeiros conheciam que as pessoas que estavam a trabalhar nas suas explorações agrícolas não eram titulares de visto ou autorização de residência”. São fornecidos por empresas de contrato temporário ou similares e “os donos das explorações agrícolas refugiam-se nesse facto para afirmar o seu desconhecimento”, explica.
“As leis existem para ser utilizadas”, afirma o magistrado. “Estou convencido que, perante a perceção pública e atual dessa realidade, será mais difícil aos donos da exploração agrícola escudar-se na relação contratual e de igual forma, quer os magistrados do MP quer os juízes deixarão de aceitar como credível essa defesa”. Para Belchior de Sousa, advogado em Ferreira do Alentejo, a responsabilização solidária também é difícil porque o utilizador final faz “um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho”. “Faz toda a diferença. (…) Não são obrigados a saber quem são e de onde vêm”, explica.
Após visitar Odemira, a Comissão de Direitos Humanos traçou um quadro negro da realidade vivida pelos migrantes num relatório que emitiu naquele mês. A maioria chega ilegal depois de pagar a intermediários 18 mil euros pela promessa de um contrato de trabalho. A legalização pode custar mais oito mil e a renda de casa, em condições precárias e em grupo, ronda os 800 euros. Dos dois salários mínimos pagos pelos contratadores, em média, sobram-lhes 130/150 euros. O resto é para o intermediário.
Pelo menos desde 2003 que o esquema é conhecido. As redes que exploram imigrantes ilegais criam empresas unipessoais para colocar os trabalhadores. Há um responsável por cada meia centena de imigrantes e é este quem negoceia com os agricultores os salários a pagar. Um grupo de 4/5 pessoas que pode apanhar cerca de mil quilos de azeitona num dia e só recebe do “angariador” 50 euros para dividir por todos. Nalguns casos, os “empresários” desaparecem sem pagar ao Fisco e à Segurança Social.
A lei 28/2016 prevê a responsabilidade solidária dos contratantes “face às violações para com trabalhadores temporários, cedidos ocasionalmente ou dos trabalhadores ao serviço de empresas prestadoras de serviços” quando laboram nas suas instalações”. Mas como quem contrata não é arguido, só após condenação transitada em julgado dos visados é que a responsabilidade se efetiva.»
Conclusão
Vamos continuar periodicamente com noticias sobre esta vergonha nacional!As Autoridades e o Ministério Público quaixam-se da legislação e da falta de meios para actuar.Os partidos da governação (PSD e PS) não querem perturbar as grandes exolorações agrícolas da famosa «agricultura moderna e exportadora»
É verdade que a realidade da exploração dos trabalhadores agrícolas e sua escravização é uma questão dificil não apenas na sua deteção e investigação e levantamento mas principalmente na penalização dos utilizadores agrícolas, mafiosos e exploradores.
Mas, não nos enganemos, estas situações não existem apenas no Alentejo.Em alguns concelhos do norte de Lisboa e Ribatejo, nas Beiras, no Algarve e no Douro existem redes de trabalho não declarado,ilegal e clandestino.Claramente falta vontade política nas elites portuguesas para pôrem na ordem este capitalismo agrário que não respeita os direitos humanos nem a legislação nacional.Também temos os nossos «Quatares»!
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