O segundo governo de António Costa já tem um
programa para a legislatura.O que podemos dizer após uma leitura em diagonal de
um texto tão longo?Em primeiro lugar algumas considerações gerais sobre um
programa que coloca três ou quatro questões actuais como grandes desafios para os próximos quatro anos
de governação.
O documento organiza-se tematicamente
procurando dar uma imagem de modernidade do governo,dando relevo nomeadamente a
temas actuais como o desafio demográfico,as desigualdades e o digital.Como
estratégia de fundo procura aparentemente uma aproximação aos aliados da
«geringonça».
No entanto,o programa não deixa de ser uma
abordagem tecnocrática da economia e do trabalho,fazendo da educação,à boa
maneira republicana, a chave do combate às desigualdades e da promoção da
igualdade de oportunidades.Este enfoque deixa-nos algo apreensivos.
O trabalho e os trabalhadores são remotamente
focados dando lugar às clássicas medidas de apoio ao emprego, à concertação social
para onde será remetida a tímida política laboral da legislatura.O perfil da
própria Ministra do Trabalho é muito significativo.Uma pessoa competente em matéria laboral, sob ponto de
vista técnico, mas com pouca experiência política e pouco peso no governo.
Por outro lado, as medidas que são
apresentadas são na generalidade vagas e sem metas de concretização.Muitas
delas são para ir concretizando, ou não, à medida dos ventos sociais.O aumento
do salário mínimo de 750 euros é, talvez, uma das poucas medidas quantificadas.
Subjacente a esta estratégia está a vontade já
manifestada de realizar no futuro um acordo na Concertação social sobre
rendimentos, nomeadamente salários e pensões, bem como sobre a negociação
colectiva.Tudo indica assim que não haverá espaço para novas alterações à
legislação laboral repondo o que se perdeu no governo de Passos/Portas no
quadro da Troika.O argumento principal que tem a nova ministra Ana Godinho é
que teremos que esperar para ver os efeitos no terreno das recentes alterações,
nomeadamente sobre a contenção da precarização das relações laborais, banco de
horas etc.
Numa primeira leitura o Programa não prevê
grandes alterações na área das relações laborais, embora o novo governo se
confronte mais adiante com a realidade da precariedade que pode aumentar, bem
como o trabalho clandestino.Isto para não falar de todo o sector das políticas
de segurança e saúde no trabalho que o Programa quase ignora.
Perante este documento os sindicatos vão ter
que definir a sua estratégia para que algumas «boas intenções» sejam
efectivadas e outras menos boas sejam simplesmente esquecidas.Relativamente ao
salário mínimo o governo parece que já tem números na cabeça.Porém, nem patrões
nem sindicatos vão estar de acordo com as propostas do executivo.
Quanto a um acordo sobre política de
rendimentos neste momento, e caso a economia cresça a ritmo aceitável,não vai
interessar aos sindicatos.Estes, pelo menos os da CGTP e alguns independentes
não vão querer ficar com um colete de forças, agarrados a um referencial que
serve de bitola para calar as reivindicações justas em sectores onde claramente
se tem feito dinheiro mas os trabalhadores pouco ou nada beneficiam dessa
riqueza.
E sobre esta questão ainda temos um problema
crónico de difícil resolução que é a representatividade das organizações
patronais e sindicais que assinarem esse acordo.Sem efectiva representatividade
os acordos não passarão do papel e apenas servem para travar as lutas sociais.
O Programa do governo tem, no entanto,
potencialidades para um efectivo diálogo
que não seja uma caricatura do mesmo.É fundamental dinamizar a contratação
colectiva e fazer acordos sobre questões sectoriais como aspectos da
qualificação e emprego dos jovens, doenças profissionais ,riscos psicossociais e
acidentes de trabalho,transição digital, dignificação das carreiras na Função
Pública.É importante preparar medidas contra a precariedade e o trabalho
clandestino, dar meios e quadro legal para uma ACT mais activa.Se o documento
não passa de um conjunto de «boas intenções» a relação com o Movimento Sindical
vai ser difícil.Porém, se subjacente ao mesmo existir uma genuína vontade de
dignificar o trabalho e os trabalhadores então existe caminho para caminhar.
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