Da minha janela vejo a Ermelinda ainda de madrugada a correr pelo caminho do
tanque.Leva nos braços cansados o seu bebé que vai deixar na casa da vizinha e abalar para mais um dia de trabalho.Que bebé tão caladinho, não chora, agora arrancado do berço,ainda vai dormindo.
Há mais de um mês que a Ermelinda vai para as vindimas em S.João da
Pesqueira.Ela pensa mais uma vez em fazer mil euros nesta época, uma ajuda
preciosa para, com o abono do seu menino, enfrentar da melhor maneira o inverno
que não está longe.Um mês interminável de calor e chuva, com o rosto curtido
pelo sol abrasador, os pulsos a doerem da tesoura e as costas num calvário que
nem a cama acalma.Milhares de videiras estão prontas para que lhe cortem os
cachos pelas encostas ingremes e cascalhentas, os dias seguindo-se uns a seguir
aos outros, intercalados por noites agora mais frescas e longas.
Corre Ermelinda que a carrinha do empreiteiro já estacionou no largo da
Igreja e espera pelo grupo de trabalhadores para seguir viagem.Tens tempo de
fazer contas à vida quando acabarem as vindimas e receberes os euros tão
desejados das mãos do empreiteiro.Este pelo menos não te vigariza ,paga a
segurança social e o seguro.Uma mulher sozinha e com um filho nos braços é
fácil de enganar, quanto mais fracos sómos mais enganados e humilhados.Foste
enganada para toda a vida quando o pai do teu menino abalou para o estrangeiro
sem dizer água vai nem água vem.
Corre Ermelinda, corre! A carrinha do empreiteiro corre agora veloz
pelas estradas serpenteadas do Douro enquanto a madrugada difusa dá lugar ao
sol radioso que nasce de Espanha.São dez ao todo os que se amontoam na carrinha
com os sacos e marmitas com as buchas do dia, esperando que o vinho não falte
para empurrar a comida feita na véspera.O silencio impera, apenas se ouve o
ruído do motor e do chassis protestando pela curvas de carrocel.Alguns ainda
saboreiam os últimos bocados de sono,deixando embalar os corpos castigados.As
quintas vinhateiras de patrões sem rosto e os barcos turisticos emergem serenos
da neblina matinal.A Ermelinda vai deitando contas á vida e pensa no seu menino
que ficou lá longe e só o verá á noite.Ai vida, vida!Ai Douro, Douro!
Dedicado a todas as mulheres trabalhadoras do Douro
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