Tem havido nos últimos tempos um debate muito interessante sobre o «direito a desligar ou
desconexar» do trabalho.Um debate muito jurídico mas também de análise sociológica e sindical.A França foi talvez um dos primeiros países a colocar a questão em lei e este ano ,no quadro do diploma 83/2022, sobre o teletrabalho, integrou também o nosso quadro jurídico sob a denominação de obrigação da entidade patronal em não ligar ao trabalhador no tempo de descanso deste.O direito do trabalhador exige assim uma obrigação patronal.
No entanto temos que reconhecer que na prática
esta obrigação patronal vai ser muitas vezes violada com inúmeras justificações
e, num quadro de precariedade, o trabalhador não tem coragem de não atender o
chefe ou patrão a qualquer hora.Ou seja, por razões objectivas este direito
pode ter poucas condições para se efectivar.
Por outro lado, são muitos os trabalhadores
que não desligam e não são capazes de se desligar do trabalho e dos seus
problemas profissionais.Por vezes, ouvimos alguns colegas afirmarem que deixam
todas as questões do trabalho á porta do mesmo.São uns felizardos!
Todavia, também existem muitos trabalhadores
que transportam para casa todos os problemas que têm com as chefias ou com os
colegas,o ambiente competitivo e pouco saudável que existe no local de
trabalho,os conflitos sociais, como greves, doenças, absentismo,etc.Basta que
um ou dois colegas entrem de baixa para que a equipa se ressinta, aumente o
trabalho, aumente a crispação.Mesmo que o patrão ou chefe não nos ligue estamos
com o trabalho na cabeça.Uma angustia se apodera de nós
Por outro lado,as novas tecnologias, que de
certa maneira são uma maravilha do nosso século, principalmente com a
internet,comportam frequentemente novas escravidões.É o whatsApp,os mails, as
redes sociais.O chefe cria um grupo de whatsApp,manda uma notícia para o face a
fazer um aviso, um apelo, etc.
O nosso trabalho, do qual cada vez queremos
falar menos,apodera-se do nosso cérebro da nossa vida, ao mesmo tempo que temos
dificuldade em nos distanciarmos desta rede que nos enreda.A competição e os
sistemas de avaliação isolam-nos, fazem-nos desconfiar dos colegas;o discurso
do sucesso e meritocrático tornam-nos inseguros porque não conseguimos atingir
os objectivos, subir a pulso, ser o máximo.Podemos passar a uma fase de esgotamento
,de «bournout» de doença, num ciclo vicioso que alguns quebram da pior maneira,
ou seja, com a baixa prolongada ou o suicidio.
Saber desligar do trabalho cada vez é mais
difícil.Com o teletrabalho a situação vai piorar na medida em que a nossa casa
passa também a ser um local de trabalho.Casa e trabalho confundem-se, para
alguns é a liberdade mas para outros, é a confusão,o não distanciamento entre a
vida familiar e profissional!
Realmente o direito a desligar é muito mais
que uma questão jurídica,é uma questão existencial, é mais do que o direito a
descansar.Na medida em que o trabalho se torna cada mvez mais imaterial mais
problema temos em desligar, em separar o trabalho da vida social e familiar.
Estamos a passar a uma fase em que o trabalho
mais árduo e monótono deve ser realizado por máquinas e aos humanos deve ser
reservado o trabalho mais criativo, mais humano, mais nobre.Uma fase em que se
deve trabalhar menos horas e muito mais bem pagas!
Mas no capitalismo esse tipo de trabalho, com menos horas e bem
pago será sempre reservado a uma minoria que coexiste com uma maioria de gente
mal paga, trabalhando de forma flexível e nos piores trabalhos ou na situação
de desempregado.
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