Após
uma semana de greve os motoristas das matérias perigosas decidiram em plenário desconvocar a mesma e
retomar as negociações.Esta greve, que apenas envolveu umas centenas de
trabalhadores, tornou-se num dos conflitos mais mediáticos e falados da nossa
história democrática.
A trabalhar ou em férias os portugueses não ficaram indiferentes.Podemos e devemos retirar deste processo algumas reflexões
que ajudem outros trabalhadores nas suas lutas.
Começo
por dizer que relativamente a este conflito nunca acreditei nem acredito nas
teses conspirativas com que algumas pessoas avançaram nas redes sociais e até
em jornais.Vieram com os acontecimentos do Chile e da greve dos camionistas,
com um email que circulou por aí falando em ataques á «geringonça», enfim, em
manobras da extrema direita, etc.
Estas
narrativas serviram para isolar a luta dos motoristas e de certo modo
diabolizar o seu sindicato e em particular um dos assessores o Pardal Henriques,
uma personagem ambígua de características mercenárias.Com que objectivos?
Todos
os motoristas beneficiaram com esta greve
Uma
primeira coisa a constatar é que ainda que não acabe já este conflito podemos dizer que todo o sector beneficiou
desta luta.O Acordo que irá actualizar
vários aspectos do contrato colectivo para o sector assinado pela FECTRANS em
plena greve foi uma peça importante para debilitar as reivindicações e a luta dos
motoristas de matérias perigosas.A negociação foi sabiamente gerida e em tempo
oportuno. Podemos dizer o mesmo relativamente ao acordo com o outro sindicato independente
dos motoristas que se retirou da greve deixando ainda mais isolados os outros grevistas das matérias perigosas.Quem poderá ficar
com as mãos quase vazias poderá ser o
sindicato destes últimos.
Um
conflito que mostrou como se trabalha em muitos sectores do privado
Este
conflito teve também o mérito de chamar a atenção dos portugueses para os
baixos salários destes trabalhadores, para a carga horária excessiva, para as
condições deficientes de trabalho , nomeadamente de vigilância de saúde e
segurança.A requisição civil apressada mostrou que se os motoristas apenas
cumprissem os horários legais criariam e podem criar no futuro problemas sérios
de abastecimento.Infelizmente a falta de experiência destes trabalhadores levou a que
não fizessem mais publicidade das suas deficientes condições de trabalho
explorando o potencial risco que encerra essa situação para as outras pessoas que
circulam nas estradas portuguesas.
A
maioria dos portugueses efectivamente não sabia da realidade de trabalho destes
motoristas.Mas, mesmo aqui não faltou quem esgrimisse recibos de vencimentos
para mostrar que estes trabalhadores ganham fortunas, explorando a inveja que, nestas ocasiões, invade o espírito de gente pobre que ganha o salário
mínimo.
Os
maiores erros dos grevistas
O
sindicato dos motoristas de matérias perigosas cometeu alguns erros que
contribuíram para a actual situação.Um
deles foi uma avaliação incorrecta da situação política e dos ensinamentos da
greve da Páscoa.Fizeram uma avaliação optimista da greve da Páscoa e do poder
que de repente viram nas suas mãos.Foram novamente para uma greve sem
prepararem uma boa informação à população, sem aliados e entregando a
estratégia de luta a uma pessoa que poderá ser um bom advogado de direito do
trabalho mas não é um bom sindicalista.
Ao
decretarem uma greve com dia de início e sem fim num sector tão estratégico, a
poucas semanas de eleições, o sindicato jogou tão forte que motivou uma
resposta igualmente forte do governo e dos patrões unidos, embora por motivos
diferentes em liquidarem esta greve.Se estavam à espera do caos para obterem as
suas reivindicações enganaram-se tragicamente.Tal situação maximalista tornava
difícil eventuais recuos sem mostrar fraquezas
óbvias.
Serviços
mínimos que abrem um precedente perigoso
Um
conflito com tais consequências políticas iria ter uma resposta forte do
governo como assim aconteceu.Tudo indica que o governo se preparou bem para
esta greve lançando mão de todos os meios e estando aparentemente pouco empenhado
em aproximar as partes em conflito como se a greve fosse uma fatalidade da qual
até pudesse tirar proveito.Nesse quadro definiu serviços mínimos de tal
magnitude que foram considerados de máximos e quase esvaziaram a greve.Não
satisfeito ainda aplicou a requisição civil e as tropas onde julgou necessário.
Se uma
greve não pode constranger a vida de turistas, nem as férias de portugueses,
nem as colheitas na agricultura ,nem as exportações de carros ou outros bens
com mais razão podemos dizer que não poderá afectar as escolas, os hospitais,
cadeias,a recolha de impostos, os inspectores do estado, o lixo das cidades.Ou
seja, o direito constitucional á greve existe apenas na Constituição mas no
futuro qualquer governo de direita ou de esquerda acabará com uma greve através
da definição máxima de serviços mínimos.
A
esquerda, os sindicatos independentes e o futuro
Tenho
lido algumas reflexões que vão no sentido de que a actual solução governativa
sustentada pelos partidos de esquerda contribuiu para a emergência de novos
sindicatos não alinhados com a UGT ou a CGTP.Mais do que a solução governativa dos
últimos anos eu diria que é mais a prática sindical das últimas décadas das
grandes confederações e o colete de forças imposto pelas regras da UE, pela
precarização e desvalorização salarial.Com efeito, basta reflectir sobre o que
se tem passado nos últimos anos ou décadas na Função Pública.Degradação das
carreiras, perdas salariais enormes sem aumentos e progressões, perda de
estatuto.Qual tem sido a resposta dos sindicatos da UGT e da CGTP?Greves de um
dia que resultam em perda de salário, manifestações que quase se resumem a
delegados e activistas, enfim um sindicalismo conformista que serve para deitar
fora frustrações, gritar e agitar a bandeira do sindicato.Mas os resultados são
confragedores em particular para as classes operárias e outros operacionais das
autarquias, escolas e hospitais.Esta gente, que pouco mais ganha do que o
salário mínimo há décadas,começa a pensar que se tivesse um sindicato próprio
já teria avançado para lutas mais duras.São eles que, por exemplo, fecham as
escolas e não são os professores!
É
muito natural que no futuro tenhamos mais sindicatos independentes.Sindicatos que
querem governar-se mas que também irão descobrir que sozinhos terão a vida difícil.Precisam
de laços, de trocarem experiências, de aliados que não tenham a tentação do
controlo.Pelo facto de não estarem alinhados com as confederações não devem ser
suspeitos, nem isolados, nem humilhados!
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