«No
fundo, trata-se de modernizar o mercado laboral, adaptando-o às formas de
trabalho emergentes. Creio, porém, que isso não chega: o Código do Trabalho
necessita de alterações mais profundas. Bem sei que, desde a sua criação em
2003, este código já foi revisto e alterado várias vezes. Mas são recorrentes
os apelos das organizações internacionais, como a Comissão Europeia e a OCDE,
para a flexibilização da legislação laboral e consequentemente da organização
do trabalho, desde a contratação à prestação das atividades.
Flexibilização,
essa, que é vista como um incentivo à produtividade e competitividade da
economia e à sua capacidade de criação de emprego.
O mercado de trabalho português
permanece fortemente segmentado entre trabalhadores efetivos e
trabalhadores a prazo. Os trabalhadores com contratos sem termo beneficiam de
um dos mais altos níveis de proteção da Europa, o que incentiva
o trabalho a termo.
O
despedimento com justa causa ou por extinção do posto de trabalho
continua a ser juridicamente complexo e arriscado para o empregador, enquanto a
contratação permanente exige processos administrativos e legais
demorados.
A
legislação laboral portuguesa incentiva os contratos a termo e os
falsos recibos verdes, enquanto protege exageradamente os trabalhadores que
estão dentro do mercado de trabalho e, simultaneamente, impede a entrada dos
que estão fora.
Perante isto, há que clarificar as
condições objetivas que permitem a uma empresa dispensar,
por imperativos económicos e financeiros e de desempenho (do
trabalhador), um trabalhador com contrato permanente. Devido aos entraves
colocados à dispensa de trabalhadores, nomeadamente jurídicos
e pecuniários, as empresas retraem-se na hora de empregar novos
trabalhadores…. («Flexibilizar ou estagnar» artigo de Armindo Monteiro, Presidente
da CIP, no Dinheiro Vivo a 18 de julho de 2025).
Neste pedaço de texto temos o programa antiquado dos patrões portugueses para a revisão da legislação laboral que eles consideram ainda pouco flexível, após décadas de alterações jurídicas sempre a
flexibilizar a favor das empresas!
Indo mais uma vez ao
encontro dos apelos dos empresários o governo AD apresenta um primeiro projeto
de contrarreforma que não moderniza em nada o mercado de trabalho, precariza
ainda mais a vida dos trabalhadores e não investe na sua formação e
requalificação.
O argumento de Armindo Monteiro
de que a proteção dos trabalhadores impede o emprego e fomenta o trabalho
precário é falso. Se impedisse o emprego não teríamos uma das taxas de
desemprego mais baixas da Europa! Por outro lado, a solução que ele apresenta
para combater a precariedade, os contratos a termo, é a desproteção dos que
estão justamente protegidos, ou seja, permitir o despedimento de qualquer
maneira, sem justa causa, a belo prazer da empresa.
Não são os trabalhadores permanentes
que impedem a entrada dos precários, são os empresários que não querem investir
nos trabalhadores dando-lhes estabilidade, boas condições de trabalho e
formação.
Vejamos concretamente
alguns aspetos que, sendo importantes para as empresas e para a sua
competitividade, não são importantes nem para este governo, nem para os
patrões!
Como muito bem ilustra o
sindicalista Ulisses Garrido num artigo no jornal Público de 11-08, este projeto
laboral do governo não aposta na formação profissional, pois propõe-se reduzir
para metade as poucas horas de formação atuais. E sobre a formação dos patrões o diploma é omisso quando sabemos que é inferior à dos trabalhadores, segundo dados
do INE e das mais baixas da Europa!
Curiosamente a própria
Confederação dos patrões (CIP) ignora os seus estudos (1) sobre a necessidade
de requalificação dos trabalhadores portugueses. Num dos seus estudos sobre o
Futuro do Trabalho podemos ler; « 52% do tempo laboral em Portugal é despendido
em tarefas repetitivas e altamente automatizáveis com mais de 70% de potencial
de automação»;«35% dos trabalhadores estão empregados numa área diferente da
sua especialização».
Mais adiante podemos ler
ainda «as nossas estimativas indicam que uma melhoria das qualificações de 10%
da força de trabalho está associada a um aumento da produtividade entre 4 a 11
% por setor de atividade».
O mesmo estudo refere que
face à automação 700 mil trabalhadores terão de alterar as ocupações laborais
em Portugal! E ainda que 234 mil trabalhadores da zona Norte necessitarão de se
requalificar.
Por acaso existe alguma
proposta no sentido de melhorar a formação e requalificação dos trabalhadores
portugueses nesse projeto de reforma laboral do governo? Por acaso melhora o
sistema de apoio ao trabalhador-estudante? Pelo contrário, estas preocupações
não apenas estão ausentes como existem propostas de reduzir o investimento nos
trabalhadores na mira de dar alguns lucros às empresas no curto prazo. Existe
alguma preocupação com os efeitos da automação na economia nesta proposta de
revisão da legislação do trabalho? Nem sombras!
Vejamos, se 52% do tempo
laboral em Portugal é despendido em tarefas repetitivas não seria de insistir
numa melhor organização do trabalho e na qualificação dos trabalhadores em vez
de insistir em trabalhar mais horas? Não seria importante melhorar a
organização da empresa e diminuir o horário de trabalho com maior conciliação
da vida profissional com a familiar? Não, quer instituir o banco de horas
individual e insistir na quantidade de trabalho e pouco na qualidade do
trabalho!
E a saúde e o bem estar dos trabalhadores?
Mas vejamos outro aspeto.
Uma das maiores preocupações, inclusive dos empresários europeus, manifestada
nos inquéritos ESNER da Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho,
é a subida das doenças psicológicas nos trabalhadores, nomeadamente nos jovens trabalhadores.
O stresse laboral é hoje considerado, inclusive, em instituições europeias, uma
espécie de pandemia que ataca todos os setores profissionais, nomeadamente
altos quadros das empresas. Estudo recente da Ordem dos Psicólogos refere que 2
em 5 trabalhadores portugueses estão expostos perigosamente ao stresse. Para
além do sofrimento das pessoas o custo relacionado com a perda de produtividade
devida ao stresse em Portugal ultrapassa os 5 mil milhões de euros (3). Para
não falar noutra epidemia que são as lesões músculo-esqueléticas que afetam mais
de 50% dos trabalhadores europeus.
Por outro lado, as doenças
profissionais e os acidentes de trabalho subiram nos últimos anos, incluindo os
mortais, com especial incidência nas pequenas e médias empresas manifestando um
retrocesso que não seria espectável. Porquê? Porque a maioria dos empresários
não consideram prioritário o investimento na prevenção dos riscos profissionais
nem recebem incentivos nesse sentido dos governos. Mais, quanto mais precários
forem os trabalhadores menos as empresas investem nesta matéria e mais
acidentes de trabalho teremos!
Por caso se vislumbram
estes aspetos na proposta de lei do governo? Não, porque, diz a Ministra do Trabalho,
haverá no futuro uma proposta de acordo sobre esta matéria!
Em resumo esta proposta do
governo não visa a modernização do mercado de trabalho, nem a proteção dos
trabalhadores e muito menos a competitividade. Não aposta na formação e
requalificação para enfrentar os desafios do futuro da economia. Aposta sim, e
com muita pressa, em fazer mais alguns fretes aos empresários a curto prazo sem
apostas substanciais de futuro! Mostra bem de que lado está o governo
Montenegro e quão pequena é a sua visão estratégica para o País!
(1)
O Futuro do Trabalho em Portugal da NOVA/ SBE : https://cip.org.pt/publicacoes/documentos-estrategicos/
(2)
Inquérito ESNER da Agência Europeia para a segurança e Saúde no
trabalho: https://osha.europa.eu/pt/facts-and-figures/esener
(3)Prosperidade e
sustentabilidades das organizações, Ordem dos Psicólogos: https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/opp_relatorio_prosperidadeesustentabilidadedasorganizacoes2023.pdf
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