terça-feira, 17 de maio de 2022

´FÁTIMA A RELIGIOSIDADE POPULAR E PAULO FREIRE

 

Fátima arrasta multidões de todas as partes do mundo, em particular no mês de maio.Muito se


escreveu e ainda escreve sobre o fenómeno religioso que movimenta comerciantes, peregrinos e turistas.Todavia, não existe muita investigação sobre Fátima enquanto fenómeno de religiosidade popular.

A este propósito lembramos uma intervenção de Paulo Freire numa reunião com militantes da BASE-FUT alguns meses após o 25 de Abril e que ficou registada na publicação «Alfabetização e consciencialização»das edições BASE e agora republicada no livro «Paulo Freire-centenário:um educador no mundo das edições Outro Modo:

Religiosidade popular é problema muito sério

«PAULO FREIRE-Essa questão religosa popular é um problema muito sério.De um modo geral,só damos atenção considerando a religiosidade popular como algo inferior, como uma distorção da nossa própria forma de religião, e isso é errado.

Agora, por exemplo dez dias atrás, eu estava no Caribe(Caraíbas) onde a religiosidade popular é extensissima e há uma série de estudos científicos sobre essa religiosidade.Mas eu trouxe para casa uns estudos feitos, por exemplo na República Dominicana, onde talvez o indice de religiosidade popular seja só menor do que no Haiti,mas é profundamente intenso- e também na Jamaica.E eu li um artigo-estudo feito por um pároco.Conta um facto que ele não podia compreender, que era exactamente o seguinte:espalhada no povo há uma crença na existência de um Deus bom, ou um Deus do bem e um Deus do mal- que é exactamente a dicotomia que existe entre nós, entre o Deus e o Diabo (o Papa o ano passado disse que que o grande problema do mundo é o diabo-pro diabo o problema do diabo;diabos são os pinochets..).

Uma senhora conversando com ele disse que tinha um menino (ela tinha oito filhos), o marido desempregado,ela tinha tido o nono filho fazia vinte dias.E disse ao padre, para convencê-lo da existência de um Deus do bem—não tenho dinheiro para alimentar os filhos e eu pedi ao Deus do bem que me mandasse naquela noite um homem bom, um homem que paga bem (o marido sabia disso, mas aceitava essa coisa como trabalho, era um emprego,um meio de manutenção;os filhos é que não sabiam).Ela disse:depois que eu acabei de orar,de pedir ao deus do bem que mandasse um homem bom eu fui para a rua.E, de repente,para um carro com um homem que me chama.Eu entro no carro  e ele estava meio embriagado.

Eu contei a ele que havia feito uma oração ao Deus do bem.E então, disse ela, o homem me teve no carro mesmo e depois me deu um dólar (na República Dominicana vale um dólar americano dois dólares dominicanos, é um dinheiro forte).Então o homem deu a ela uma cédula de dez dólares (portanto cinco dólares americanos) o que é um dinheirão, e depois deu mais uma cédula de um dólar e disse:«os dez dólares são para ti e um dólar é para que tu vás de carro para casa».E ela desceu do carro dele, chegou debaixo do poste de luz,olhou as duas cédulas e o homem tinha-se equivocado no escuro.A cédula de dez dólares era de cem e a de um era de dez.Então na verdade o homem deu a ela 110 dólares.Acabando de contar esta história ao padre, perguntou: existe ou não existe um Deus do bem?Foi o Deius do bem que me fez isso.Me botou aquele homem bom naquela noite, que me deu 110 dólares e com isso eu não precisei de faze isso durante mais de um mês, porque tive leite para o filho..

 Religiosidade popular e transformação das estruturas sociais

Quer dizer, o equívoco dos cristãos, católicos ou protestantes, não importa, é pretender lutar contra esta religiosidade, sem transformar as estruturas sociais que explicam essa religiosidade.

Não adianta chamar a atenção dessa mulher para a distorção duma autêntica perspectiva cristã, se você,ao mesmo tempo, não trabalha com ela e não testemunha a ela o seu engajamento no processo revolucionário de liquidar com o capitalismo.

Eu te confesso, me recuso a fazer isso;quer dizer, e me sinto com autoridade de ,se conversasse com uma mulher dessas, respeitando a sua fé,discutir a minha fé com ela, porque,ao mesmo tempo, eu dizia:agora vamos discutir a nossa fé do ponto de vista político.Onde é que a minha fé em Cristo me leva?A minha fé em Cristo me leva à revolução e não a reformas.A minha fé em Cristo me leva a um processo revolucionário e não às missas dominicais, apenas.Então eu me sinto com autoridade de falar.

Vocês, pelo amor de Deus, não se metam a fazer críticas à religiosidade popular se,ao mesmo tempo,não estão engajados no processo de justicialização do mundo,porque senão não tem nenhum sentido.

A expressão da religiosidade popular está eminentemente vinculada com as estruturas de dominação.E o que acontece é o seguinte:é nessas áreas de dominação que essa expressão popular da religiosidade se apresenta com formas misturadas com o catolicismo ou com o protestantismo, mas buscando uma autenticidade da classe dominada, é a prova precisa da falha da Igreja, é que as classes dominadas já não encontram na Igreja o testemunho de autenticidade cristã e então se afogam noutro tipo de religiosdade que para elas é excatamente o escape.

Na Jamaica há uma religiosidade, uma religião popular que tem uma força hoje tão grande na ilha, no país, que o actual primeiro ministro se elegeu politicamente , exactamente baseado na religião popular.E essa religião popular da jamaica tem uma força fantástica na área popular da Jamaica...»

 

 

Sem comentários: