sábado, 12 de julho de 2008

A FÁBRICA FECHOU PELA CALADA DA NOITE!


Em solidariedade com as 40 operárias despedidas da empresa Morais & Novais Confecções, em Valongo!

O despertador tocou de forma estridente irritando-a logo ao acordar. Levantou-se com muito cuidado para ver se o seu bebé tinha acordado. Logo que pudesse teria que comprar um novo despertador que acordasse a gente com música. O salário de operária têxtil não dava para nada e as coisas nos últimos tempos estavam pela hora da morte! Não se podia ir ao supermercado porque se deixava o dinheiro todo e trazia-se um saco com meia dúzia de produtos, os mais necessários, os do dia a dia, principalmente para o bebé que, coitadinho, não lhe podia faltar o essencial!
No quarto de banho despachou-se num esfregar de olhos, enfim, nos últimos meses nem tempo tinha para se cuidar verdadeiramente. Gostaria ela de ter tempo para a casa e para o bebé de poucos meses, que ainda estava a dormir como um santinho!
Tomou um pouco de leite com café e um pão mal mastigado e logo se pôs a levantar a criança de mansinho para ela não chorar! Todos os dias se levantava cedo com a mãe para, já no caminho da fábrica, ficar em casa da ama, onde pelas cinco e meio da tarde o recebia novamente de volta a casa. E isto todos os dias, menos ao Domingo dedicado às lides da casa, das roupas e algum merecido descanso.
O bebé ficou limpo e preparado em menos de meia hora e depois foi o leitinho e, ainda a dormir, levou-o a casa da Maria, a ama que já o esperava e o acolheu no calor dos seus braços.
De seguida esperou pelo autocarro que passava de vinte em vinte minutos e no qual já iriam várias companheiras da fábrica. Estava um tempo sombrio, a prometer chuva. O verão estava a chegar, os dias eram grandes e desde o levantar até ao deitar quantas voltas e quantos gestos tinha que fazer. Não sabia explicar a razão, mas sentia-se nessa manhã muito triste, algo cansada, como chegada ao fim de um longo caminho. Apenas o seu menino lhe dava forças para continuar uma vida que já levava trinta e cinco anos e um casamento falhado, dois empregos desgastantes e uma vida actual sem carinhos.
A chegada do autocarro com algumas companheiras deu-lhe ânimo e distraiu-se com as suas conversas e projectos para o dia e para a semana. A viagem era de quinze minutos, passava-se bem em convívio antes da entrada para a fábrica e para as secções respectivas onde apenas se ouvia o ruído das máquinas, muitos metros de tecidos e muito pó! Um pó fino, quase invisível, mas que estava presente e que as envolvia a todas como uma mortalha.
Chegadas à porta da fábrica algo lhes quebrou a monotonia. Várias outras companheiras estavam na porta, conversando em surdina e de cara revoltada. O que se passa afinal? Perguntam perplexas às companheiras. Elas apontam para um simples papel afixado no portão fechado da fábrica. Ela não queria acreditar no que lia. As pernas tremeram-lhe com violência e a cabeça parece que estava dependurada fora do corpo. A fábrica fechou definitivamente! Sem qualquer aviso, sem qualquer preparação! De forma cobarde, pela calada da noite!!

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