quinta-feira, 6 de março de 2008

BEM-ESTAR NO TRABALHO: ISSO EXISTE?

No último mês de agosto de 2006 a ANENT, Associação Nacional de Enfermagem do
Trabalho, entidade a qual tenho a honra de presidir, reuniu-se para debater os rumos na
atenção de enfermagem em saúde do trabalhador. Os temas desse ano enfocaram
diversos aspectos tradicionais da prevenção de lesões em trabalhadores em todas as
atividades, desde os riscos e problemas enfrentados por aqueles que trabalham
diretamente na produção até aqueles das funções administrativas. A enfermagem olha
por todos. Mas existe um outro aspecto da saúde do trabalhador que está além das
preocupações rotineiras dos profissionais de saúde ocupacional. Melhor dizendo, não
além, mas na base de cada uma dessas tantas diferentes preocupações: a promoção da
qualidade de vida de quem trabalha, dentro e fora da empresa.

Ciência do bem-estar

Antes de continuar, é preciso entender o que é a tão falada qualidade de vida. Trocando
em miúdos as definições dos meios científicos, ter uma boa qualidade de vida é estar
bem e sentir-se bem nos diferentes aspectos da vida, e isso envolve a razão, a emoção, a
espiritualidade/religiosidade, a vida familiar, a vida social, o trabalho. E foi através do
ambiente de trabalho que estudiosos do assunto concluíram ser este o melhor lugar para
iniciar a abordagem de uma vida melhor conseguindo, através dele, atingir todos os
demais aspectos da vida da pessoa. Afinal, grande parte dos trabalhadores brasileiros
passa 1/3 do seu dia no ambiente de trabalho. Se a pessoa tiver 35 anos de atividade
profissional, ela terá dedicado ao trabalho pelo menos 1.540 semanas, ou 7.700 dias, ou
ainda, 61.600 horas.Trabalha-se para viver e vive-se para trabalhar. É tempo demais de
vida e que exige uma preocupação com a qualidade com que essas horas são vividas, se
são horas aproveitadas ou desperdiçadas.
Alguns especialistas defendem que devemos trabalhar menos. Outros garantem que a
jornada atual definida pela legislação trabalhista brasileira é ideal. Independente dessa
questão de mais ou menos horas, a preocupação deve ser o que fazer dentro da realidade
atual.

Bem estar gerando lucros

Foi seguindo esse princípio que algumas empresas começaram a acordar para a
necessidade de cuidar do trabalhador não como um elemento a mais da produção, uma
peça, parte dos móveis e utensílios, mas como pessoa, gente, ser humano. E tornar o
trabalho e a vida da empresa mais humanas para o trabalhador não traz benefícios
apenas para o empregado, mas principalmente para o empregador que, ao fornecer
suporte para que seu colaborador tenha os meios para cuidar melhor de sua saúde e seu
bem-estar, colabora para que este trabalhe mais eficientemente, com mais disposição e
mais satisfação. É a famosa relação ganha-ganha, onde ambas as partes lucram.
Cruamente explicando, não a bondade que leva uma empresa a ser “legal” com o
funcionário e investir em programas de qualidade de vida. É uma visão gerencial de
longo prazo, que entende que o bem-estar do funcionário afeta positivamente a
produção. Mas seja lá qual for o fato motivador para políticas de promoção de saúde e
qualidade de vida no trabalho, é certo que a enfermagem do trabalho estará sempre
presente, desempenhando seu papel de orientador, educador e conselheiro.
No começo, era a ginástica laboral
As primeiras abordagens foram tímidas, visando quase que especificamente a saúde
física do trabalhador: foi introduzida a prática de ginástica laboral, enquanto outras
adotaram reformas arquitetônicas para a adequação do espaço de trabalho às
necessidades humanas básicas de conforto e bem-estar. Passou-se também a enfatizar a
importância de rever os cardápios dos refeitórios, tornando-os mais saudáveis, mais
apropriados à prevenção ou cuidados com a hipertensão e diabetes. Além disso, várias
empresas desenvolveram programas de apoio aos trabalhadores dependentes químicos.
Neste último, são muitos os programas bem sucedidos conduzidos por enfermeiros do
trabalho.
Num segundo momento, as empresas perceberam que não apenas o bem-estar físico do
trabalhador era importante. O homem é mais que corpo – é também alma, cabeça e
coração. Passou-se a investir então em espaços e oportunidades para que também estes
aspectos do ser humano fossem valorizados. Hoje algumas empresas contam com
espaços reservados para a meditação, a contemplação. Existem ainda outras que contam
com o trabalho de psicólogos.

Aprendendo a viver melhor

Hoje, adequar os espaços de trabalho e promover ações básicas de prevenção a doenças
já não corresponde mais ao carro-chefe dos mais recentes e modernos programas de
qualidade de vida das empresas. Tais ações para empresas que adotaram a promoção da
qualidade de vida na primeira hora da tendência tornaram-se até mesmo óbvias. Novo (e
necessário) agora é não restringir ao espaço da indústria, da fábrica ou do escritório o
conceito do bem-estar. A meta é que o trabalho iniciado dentro do espaço de trabalho
seja assimilado por cada trabalhador e levado para o “mundo real”, onde existe o
convívio familiar, com os amigos, com a comunidade. O objetivo é fazer o trabalhador
aprender a viver melhor, seja dentro ou fora do trabalho.

Qualidade de vida para todos

Infelizmente, é muito possível que as ações que procuram estimular uma melhor
qualidade de vida do trabalhador não façam parte da realidade da sua empresa, ou da
empresa onde trabalham seus filhos e seus amigos. O trabalho ideal seria aquele em que,
independente da atividade desempenhada ou do salário recebido, fosse dedicada a cada
trabalhador uma atitude de respeito e humanidade por parte de seus empregadores.
É certo que programas sofisticados de qualidade de vida exigem grandes investimentos
e são inacessíveis para pequenas empresas. No entanto, sempre existe algo que se pode
fazer e que está ao alcance de qualquer empregador, grande ou pequeno, possibilitando
a todo trabalhador usufruir o aprendizado de tornar sua vida melhor.
Acredito, como estudiosa da saúde do trabalhador há 30 anos, que não basta viver mais.
É preciso sim, dentro de cada realidade, cada um de nós viver melhor. É isso que eu
quero para você, para mim, para os nossos filhos, nossos netos e para todos os futuros
trabalhadores do Brasil. É isso que eu, como enfermeira do trabalho, gostaria de ver
cada empregador possibilitar; utilizando todos os meios ao seu alcance para tornar a
vida do ser humano trabalhador mais saudável, mais segura, mais suave e mais digna.

RUTH MIRANDA
Socióloga Brasileira

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